terça-feira, 17 de novembro de 2020

The Eternal Moment

Dando continuidade à série de posts sobre obras de E. M. Forster jamais lançadas em português brasileiro, hoje é a vez The Eternal Moment and Other Stories, o segundo livro de contos do escritor, publicado em 1928. Sua primeira coletânea, The Celestial Omnibus and Other Stories (1911), felizmente possui uma tradução para nosso idioma. 

As histórias que integram a obra objeto deste post especial foram escritas a partir de 1904 e publicadas em periódicos nas duas primeiras décadas do século XX. Assim como sua antecessora, The Eternal Moment and Other Stories reúne contos que, em sua maioria, versam sobre temas sobrenaturais, porém desta vez um novo ingrediente foi adicionado: a ficção científica. 



O processo de publicação 

A capa da primeira edição de The Eternal Moment.


A ideia embrionária de publicar uma segunda coleção de contos surgiu em 1927. Três anos antes, E. M. Forster havia compartilhado com o mundo aquele que seria seu último romance publicado em vida, A Passage to India. Em 1927, o escritor estava com 48 anos de idade e proferia as memoráveis conferências no Trinity College, na Universidade de Cambridge, que seriam compiladas em livro naquele mesmo ano, sob o título Aspects of the Novel

Por volta de julho daquele ano, Forster sugeriu à editora Sidgwick & Jackson a publicação de mais um volume de histórias curtas de sua autoria. Digo mais um, porque dezesseis anos antes a editora havia lançado a sua primeira coleção de contos, The Celestial Omnibus and Other Stories. Em 04 de agosto, o escritor recebeu uma resposta favorável da casa e, em meados do mês seguinte, já estava organizando os contos que integrariam seu novo livro. Durante o final de setembro e início de outubro, ele ficaria bastante ocupado com as negociações do contrato com a Sidgwick & Jackson.

O livro chegou ao mercado com uma sobrecapa.


Nesse ínterim, Aspects of the Novel chegou aos olhos do público. O livro foi lançado por outra editora, a Edward Arnold, em 20 de outubro de 1927. Cerca de um mês depois, em 21 de novembro, a Sidgwick & Jackson recebeu o contrato assinado pelo escritor para a publicação de sua nova coletânea. Àquela altura, o título provisório da obra era The Machine Stops, o que confirma que o visionário conto de ficção científica já estava nos planos de Forster para a coleção desde o início do processo. Por volta de 12 de dezembro, o título foi alterado para The Eternal Moment e assim permaneceu até a publicação.

Folha de rosto da primeira edição, com o título completo da obra.


No início do ano seguinte, em 18 de janeiro, Forster enviou ao amigo Leonard Woolf a nota introdutória que havia escrito para sua nova coleção de contos. Naquele período, ele também já estava avaliando as provas do livro e sendo consultado sobre fontes e detalhes de design da edição. Menos de um ano após o escritor contactar os editores da Sidgwick & Jackson, o livro chegou às livrarias. Em 27 de março de 1928 foi oficialmente publicado em Londres e em 19 de abril do mesmo ano em Nova York, pela editora Harcourt, Brace & Co.



Em 1947, as duas coletâneas de Forster, The Celestial Omnibus and Other Stories (1911) e The Eternal Moment and Other Stories, foram combinadas e republicadas sob o título Collected Short Stories. Desta vez, o lançamento ocorreu primeiro nos Estados Unidos, em 10 de julho daquele ano pela Alfred A. Knopf. Somente em março de 1948, o livro saiu na Inglaterra, pela Sidgwick & Jackson, que havia publicado as duas coleções de contos separadamente. A obra conta com uma introdução escrita pelo autor. 


A dedicatória


"To  T. E. in the absence of anything else"

("Para T. E. na ausência de qualquer outra coisa")


E. M. Forster dedicou The Eternal Moment a T. E. Lawrence, o Lawrence da Arábia (foto ao lado), com a enigmática inscrição acima. A frase se torna menos inescrutável quando tomamos conhecimento das circunstâncias em que se encontrava sua amizade com o lendário escritor, arqueólogo e militar. Naquela época, Lawrence estava servindo à Royal Air Force na cidade de Karachi, no Paquistão, buscando a invisibilidade após a eclosão de sua fama como herói militar durante a Primeira Guerra Mundial. Ele não era o mesmo desde o fim do conflito.

Esporadicamente, Forster escrevia a Lawrence em busca de conselhos literários, mas em troca recebia cartas evasivas e decepcionantes. Além disso, o amigo hesitou quando Forster renovou a oferta de enviar-lhe o manuscrito de Maurice, que seria publicado postumamente em 1971. 

O escritor não demorou muito a perceber que Lawrence parecia esquivar-se de sua amizade. Como relata Wendy Moffat em A Great Unrecorded History: A New Life of E. M. Forster, "literal e figurativamente, Lawrence 'não gostava de ser tocado', Morgan percebeu, e depois dessa troca ele 'o tocou tão raramente quanto possível'"

Em determinada ocasião, ele afirmou à amiga e confidente Florence Barger que Lawrence era incapaz de manter uma amizade, embora não especulasse sobre a origem psicológica dessa deficiência. Apesar de sua decepção, optou por dedicar seu novo livro de contos ao amigo cuja distância não era apenas física. Dessa forma, vemos que ele aproveitou a ocasião para discretamente expressar o que sentia naquele momento. 



Os contos

The Machine Stops


Obra da exposição The Machine Stops (2019), inspirada no conto de Forster, por Daniel Stolle e Marco Kindler von Knobloch.


Num futuro indeterminado e numa Terra ecologicamente arrasada onde as pessoas vivem em um mundo subterrâneo servido e controlado por uma Máquina, Vashti e Kuno, mãe e filho, enfrentam de forma antagônica a realidade distópica que os cerca. 

"Que a máquina destrua a vida, pare e a vida comece de novo." 
(24 de janeiro de 1908).

"Por favor, chega de luta entre a alma e o corpo, até que tenham derrotado seu inimigo comum, a máquina" 
(16 de junho de 1908).


Estas palavras escritas por E. M. Forster em seu diário eram, sem dúvida, as sementes de um conto distópico que ele escreveria naquele ano de 1908. Em 27 de novembro, The Machine Stops já estava sendo datilografado para, no mês seguinte, ser submetido à recém fundada revista literária The English Review. O escritor, porém, não obteve sucesso nesta tentativa.

A história seria publicada somente em novembro de 1909, na edição do Michaelmas Term da The Oxford and Cambridge Review. Em tempo, Michaelmas Term é o primeiro período do ano acadêmico em várias universidades e escolas inglesas e vai de setembro/outubro até o Natal.

O conto - que temporariamente deu nome à sua segunda coleção de histórias curtas - se tornaria um dos trabalhos literários mais poderosos no que tange à premonição de tecnologias e à submissão humana a elas. No prefácio de Collected Short Stories, coletânea de 1947, Forster escreveu que The Machine Stops era "uma reação aos paraísos anteriores de H. G. Wells", deixando claro que sua história se contrapunha às perspectivas otimistas do autor de The Time Machine (1895) e The War of the Worlds (1898). 

Eleita uma das melhores histórias de ficção científica até 1965, o conto foi incluído no mesmo ano na antologia Modern Short Stories. Em 1973, também foi selecionado para o segundo volume da antologia de The Science Fiction Hall of Fame


Mr. Andrews e Co-ordination


Sobre estes dois contos, não encontrei informações sobre seu processo de concepção ou comentários do autor. Temos apenas as sinopses, anos e as publicações em que foram veiculados. 

Mr. Andrews
Duas almas, a do personagem que dá o nome ao conto e a de um turco, sobem aos céus. Com expectativas alimentadas em vida, de acordo com seus credos religiosos, ambos se deparam com realidades inesperadas.
Publicado em abril de 1911 na revista literária The Open Window.


Co-ordination
Os conflitos internos de uma professora de música numa escola para meninas. 
Publicado em junho de 1912 na revista literária The English Review.




The Eternal Moment

Uma romancista chamada Srta. Raby retorna ao vilarejo de Vorta, na Itália, sobre o qual escreveu seu primeiro livro, The Eternal Moment, e se depara com as mudanças acarretadas no local após o sucesso da obra. Suas decepções estão acompanhadas das reminiscências de uma experiência amorosa que ela teve naquele lugar. 

Durante viagem à Itália em 1902, E. M. Forster e sua mãe, Lily, se hospedaram por seis semanas no Hotel Stella d'Oro, na comuna Cortina d 'Ampezzo. Tal estada, iniciada em julho, teve papel crucial na concepção de elementos de The Eternal Moment. Um dos acontecimentos que inspiraram o autor durante a criação do conto foi um concerto da comunidade inglesa na Itália prestigiado em 16 de agosto daquele ano e posteriormente citado na história. 

Vista de uma rua em uma vila da Ligúria, Itália, por Adolphe Joanne (1874). 


O conto que dá nome à sua segunda coleção de histórias curtas começou a ser escrito por volta de março de 1904, cerca de dois anos depois daquela viagem à Itália. Forster vivia um fértil período criativo ao longo da primavera e além de The Eternal Moment, também trabalhava na versão preliminar de A Room with a View (New Lucy), num outro conto chamado The Tomb of Pletone, e ainda naquele que seria seu primeiro romance publicado, Where Angels Fear To Tread. Em julho, enquanto estava na casa de sua tia Laura, irmã de seu falecido pai, em West Hackhurst, no Surrey, o escritor continuou se dedicando ao conto, já se aproximando de sua conclusão. 

No mês seguinte, o conto estava finalizado. Ele enviou o trabalho recém-terminado ao seu amigo poeta Robert Caverley Trevelyan, que o acusou de utilizar um tom excessivamente jocoso na história. Forster refutou o argumento e pediu exemplos de tal jocosidade. Alguém já havia dito uma vez que ele era engraçado e ele ainda estava tentando decidir exatamente o que isso significava.

Em agosto de 1904, o escritor submeteu o conto à Blackwood's Magazine, fundada pelo editor William Blackwood, mas foi rejeitado. O trabalho só seria publicado no ano seguinte na revista Independent Review, em três partes, nos meses de junho, julho e agosto. 


The Point of It

A trajetória de vida de um homem chamado Michael e suas experiências nas moradas dos mortos.

E. M. Forster concluiu The Point of It em março de 1911, mas o conto só fui publicado na The English Review em novembro do mesmo ano. A história não foi uma unanimidade entre seus amigos do Bloomsbury Group. No prefácio de Collected Short Stories (1947), o escritor nos conta um pouco da reação de alguns deles:

"'Qual é o objetivo disto?' eles perguntaram ligeiramente, mas nem eu sabia como responder."

O escritor, porém, avaliava bem a sua obra. Na véspera do ano-novo de 1911, um Forster desencorajado registrou em seu diário uma rápida avaliação sobre dois de seus mais recentes trabalhos. 

"Literatura muito ruim. Uma boa história - The Point of It - uma peça ruim não publicada - The Heart of Bosnia. Isso é tudo. [...] Ociosidade, condições deprimentes, necessidade de uma nova visão da vida antes de começar a escrever todas as vezes, me paralisam."

Originalmente, The Point of It terminava de forma diferente. Quatro linhas foram eliminadas pelo escritor antes da publicação. Confira o trecho a seguir:

"Bem remado", gritou Micky para o barqueiro. "Mais três e pronto."
A ordem foi obedecida.
"Navio."
Harold despachou seus remos.


The Story of the Siren

The Mermaidens (1892), por Arnold Bocklin. Fonte: Livro Character Sketches of Romance Fiction and Drama, de Selmar Hess. 

Uma história dentro de uma história. Durante visita à Sicília, um turista britânico escuta de um barqueiro uma história triste e perturbadora sobre uma sereia e um jovem siciliano. 

Aquela mesma viagem à Itália que proporcionou algumas inspirações para The Eternal Moment também resultou em alguns conceitos que Forster utilizou em The Story of the Siren. Em 30 de maio de 1902, durante uma excursão noturna às grutas perto da comuna de Sorrento, um barqueiro desagradou fortemente sua mãe, Lily. Em carta à sua irmã, Louisa Wichelo, datada de 01 de junho, ela relata que um barqueiro "louco" cantava e gritava para os barcos que passavam e "gemia e resmungava para si mesmo" nas grutas. Tal barqueiro pode muito bem ter sido a inspiração para o personagem do conto de seu filho. 

Em 1904, o conto já estava concluído, visto que em março foi recusado pelo periódico literário Temple Bar. Forster guardou o trabalho por bastante tempo, pois ele iria reaparecer somente em julho de 1920, 16 anos depois, como um panfleto da Hogarth Press, dos amigos Virginia e Leonard Woolf.

Assim como The Point of It, este trabalho despertou reações pouco favoráveis entre amigos e conhecidos do escritor. Enquanto Katherine Mansfield chamou Forster de “um estranho, um andarilho, dentro dos limites de seu próprio país”, Virginia Woolf não entendeu seu sentido. Em agosto de 1920, Mansfield escreveu um artigo intitulado Throw them overboard! (Jogue-os ao mar!) para a revista literária The Athenaeum e fez considerações sobre o conto:

"Há uma certa tranquilidade que é a própria essência do estilo de Forster - uma escolha constante e meticulosa de como a unidade será composta - mas embora admitamos a necessidade e o encanto disso, não podemos negar o perigo para o escritor de vagar, de se encontrar cercado de fascinantes preocupações que o tentam a adiar ou mesmo se afastar das dificuldades que estão fora de seu fácil alcance."

Já Virginia Woolf escreveu sobre o conto em seu diário em 06 de julho de 1920: 

"Morgan pode até explodir, mas eu, como crítica, não vejo inteiramente qual a razão disso". 


O único conto em PT-BR

The Machine Stops é o único conto presente em The Eternal Moment and Other Stories que possui traduções para o português. São duas: a primeira, assinada por Celso R. Braida, foi publicada em março de 2011 na (n.t.) Revista Literária em Tradução e a mais recente, de Teixeira Coelho, foi lançada em 19 de novembro de 2018 pelo Itaú Cultural e Editora Iluminuras, desta vez em formato de livro convencional.


      



Adaptações de The Machine Stops

Dos seis contos de The Eternal Moment and Other Stories, apenas The Machine Stops teve adaptações audiovisuais, sendo um episódio de série de TV e três curtas-metragens. 

A primeira adaptação foi exibida em 1966 na série Out of the Unknown (1965–1971), da BBC, e é até hoje a mais conhecida. Os curtas-metragens foram lançados em 1998, 2009 e 2011. Abaixo, clique na respectiva imagem da adaptação para ter mais informações.


    
    

Capas



Fontes de pesquisa:
E. M. Forster - A Human Exploration - Centenary Essays (1979), editado por G. K. Das e John Beer;
A Great Unrecorded History: A New Life of E. M. Forster (2010), de Wendy Moffat;
The Cambridge Companion to E. M. Forster (2007), editado por David Bradshaw;
The Short Narratives of E. M. Forster (1988), de Judith Scherer Herz;
The Art of E. M. Forster (1960), de Harold James Oliver;
A Reading of E. M. Forster (1979), de Glen Cavaliero;
E. M. Forster - A Literary Life (1995), de Mary Lago;
An E. M. Forster Chronology (1993), de J. H. Stape.

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