"Eu o conheci em 1898. Um amigo de seu pai e de minha tia [Laura Forster] pediu-lhe que fosse gentil, então ele me convidou para almoçar. Comemos costeletas de Winchester, uma espécie de rissole alongado em que ele estava viciado, mas não consigo me lembrar de nada sobre a conversa, e provavelmente não houve uma. As impressões ficaram tão misturadas; mas me lembro dele mais triste e mais velho do que parecia quinze anos depois. Ele não sabia nada sobre mim - não havia nada para saber - e eu nunca tinha ouvido falar dele. Seus quartos ficavam na escada H de Gibbs, andar térreo - a escada mais próxima da capela - e ficamos sentados sozinhos na grande sala da frente comendo em silêncio as costeletas e tomando o molho marrom-avermelhado em que estavam. A comida não estava tão boa quanto nos últimos anos, o anfitrião mais tímido, o convidado mais tímido ainda, e eu parti pouco atraente e pouco atraído."
"Algumas semanas depois, pedi a ele que me emprestasse uma peça que estava em alta entre meus colegas calouros. Esqueci seu nome. Ele me entregou melancolicamente e, quando a levei de volta, me perguntou o que eu achara dela. Respondi nervosamente que temia não tê-la achado muito boa. Seu rosto se iluminou. 'Não, claro que não é boa', disse ele. Esse iluminar do rosto era algo a se observar. [...] O charme, na maioria dos homens e em quase todas as mulheres, é uma decoração. Pertence genuinamente a eles, como pode acontecer com uma boa aparência, mas fica na superfície e pode desaparecer. O charme em Dickinson era estrutural. Penetrava e sustentava tudo o que ele fazia, permaneceu até a velhice, e eu o vi pela primeira vez naquela tarde do final do século passado, quando ele tinha apenas trinta e cinco anos e o despertei conseguindo ser honesto em uma frivolidade. O 'acender' realmente pertenceu a uma ocasião maior do que esta - a entrada no quarto de um amigo. Então, ele emergia de sua vida interior com um sorriso, o que o tornava indescritivelmente belo naquele momento."
"Eu não o vi muito enquanto era estudante de graduação, e quando no meu quarto ano mudei dos clássicos para história, planejei ir até ele para estudos, mas fui censurado por Oscar Browning, que disse: 'Você nunca vem me ver, você deve vir até mim.' Então, uma vez por quinzena eu li em voz alta sobre Wallenstein ou Luís XIV para o lenço que cobria o rosto de O. B., e o poder de Dickinson para ensinar permaneceu desconhecido para mim, exceto pelo que ouvi de outras pessoas. Eu pertencia à sua 'Discussion Society', no entanto. Ele a fundou em 1900 como resultado de algumas palestras populares sobre filosofia que haviam sido proferidas por McTaggart. [...] Como todas as pessoas sensíveis, ele se comportava de maneira diferente com seus diferentes amigos e, devido às minhas limitações, nos restringíamos a assuntos pessoais, literatura e fofoca quando conversávamos. Mas pude ver que tudo se ligava, que a amizade tinha a ver com a política, e a filosofia com as duas, e que se ele também tivesse suas limitações era, dentro delas, completo. Da maioria de nós, isso não pode ser dito." - capítulo 10, The Socratic Method (1893-1914).
"[Dickinson] gosta de mim mais do que antes, eu acho e espero" [..] "Aproximando-se de uma amizade verdadeira."
"Discretamente e indiferentemente, ele iniciou uma conexão que durou mais de cinquenta anos. Ele não tinha ideia do que Cambridge significava - e eu me lembro de ter tido a mesma falta de compreensão sobre o lugar quando chegou minha vez de ir para lá. Parece bom demais para ser real. Que a escola pública não é infinita e eterna, que há algo mais atraente na vida do que o trabalho em equipe e mais vital do que o críquete, que firmeza, autocomplacência e fatuidade não compõem toda a armadura do homem, que as aulas podem ter a ver com lazer e gramática com literatura - é difícil para um menino inexperiente compreender verdades tão revolucionárias, ou perceber que a liberdade às vezes pode ser conquistada saindo por uma porta aberta."
"Que confissão!" exclamou Dickinson. "O que você teve? Instrução? Edificação? Fadiga? Perplexidade?".
O escritor foi um dos primeiros a colaborar com a revista mensal Independent Review, fundada por Dickinson e outras figuras de Cambridge em 1903. O artigo Macolnia Shops, publicado em novembro daquele ano, foi só o primeiro dos seus vários trabalhos editados no periódico, incluindo aí os contos The Road from Colonus, The Story of a Panic, The Other Side of the Hedge e The Eternal Moment e ainda a sua primeira crítica literária, Literary Eccentrics: A Review, veiculada em outubro de 1906.
Em 1904, Dickinson encomendou a Forster uma introdução e notas para uma nova edição de Eneida, de Virgílio, que, juntamente com Hugh Owen Meredith, estava editando para a série Temple Greek and Latin Classics, do escritor e professor Edward Joseph Dent. Em março, após aceitar a missão, Forster começou a trabalhar na incumbência, concluindo-a em junho de 1905. O livro foi publicado em julho do ano seguinte.
Os amigos sempre trocavam opiniões sobre os trabalhos que escreviam. Enquanto Forster, em carta, elogiou A Modern Symposium, Dickinson não apreciou The Heart of Bosnia, uma peça que Forster chegou a concluir, mas jamais publicou. Em meados de dezembro de 1913, ele teve uma reação fortemente desfavorável a alguns contos eróticos que Forster havia concebido, curiosamente confundindo com fragmentos de Maurice, que estava sendo escrito naquele mesmo período. A reprovação foi tão violenta que Forster queimou as histórias.
Página de cópia datilografada do conto The Life to Come (1922). Imagem King's College Archive Centre. (clique e abra em outra guia para ampliar) |
"Posso mostrar a Goldie, mas há mais sensualidade na minha composição do que na dele, e isso pode perturbá-lo."
The Shiffolds2 de junho de 1924Caro Morgan,Terminei seu livro agora. Acho tão bom que não tenho muito o que falar sobre isso. Pois é sempre mais fácil apontar buracos. O tema - a incompatibilidade de indianos e ingleses - é feito como talvez só você pudesse fazer - com o poder de compreender os dois lados. Mas então existem todos os tipos de sugestões por trás; e tenho a sensação - rara para mim na minha idade - de que você ergueu uma nova ponta do véu. O que você vê por trás disso é bastante inquietante; mas não podemos evitá-lo por esse motivo; pelo menos eu não quero. [...] Aziz eu acho um triunfo - tão vivo e tão consistentemente inconsistente... Você deve saber bem agora, e sem dúvida já sabia, o ponto crucial da dúvida - o que aconteceu nas cavernas? Por que não podemos saber? Por que não podemos saber o tempo todo? Espero, entretanto, que você tenha um bom motivo para lidar com isso e não me importo muito. Mais importante é que, enquanto em seus outros livros seu tipo de visão dupla estremece - este mundo e um mundo ou mundos além e atrás - aqui tudo se junta. Não se sabe o destino dos livros. Mas alguém poderia pensar que este deveria ser um clássico sobre o fato estranho e trágico da história e da vida chamado Índia. De qualquer forma, você sentirá que conseguiu, uma satisfação que permanecerá por baixo da insatisfação que nunca cessará, que pertence à vida, e é a vida, se é que se vive. [...]
Seu,G. L. D.
O culto e estimado Dickinson aparentemente não foi inspiração para nenhum personagem criado por Forster, mas suas três irmãs, May, Hester e Janet, foram os modelos para Margaret e Helen Schlegel de Howards End, o que foi confirmado em entrevista à The Paris Review em 1952. Além disso, o lar dos Dickinson em All Souls Place, em Londres, também foi fonte de inspiração para a casa dos Schlegel. Foi lá que o escritor conheceu o já idoso Lowes Cato, pai do amigo Goldie, em seus últimos anos de vida.
Os dissabores e os prazeres de suas relações românticas também eram tópicos de conversas. Ao passo que Forster, por exemplo, compartilhava detalhes sobre seu relacionamento com o egípcio Mohammed el Adl, Dickinson geralmente tinha desilusões e casos não correspondidos para dividir. Não que Forster também não os tivesse, mas com Dickinson isso parecia ser mais a regra. Exatamente por isso, Forster adotou um tom mais amável e contido quando falava sobre seu amado Mohammed para o amigo usualmente frustrado com o amor.
Viagens pela Europa, Ásia e pela própria Inglaterra fizeram parte do curso de sua amizade. Em novembro de 1912, por exemplo, os amigos visitaram as cidades de Lahore e Peshawar, no Paquistão. Também fizeram passeio turístico ao Taj Mahal, na Índia, antes de partirem para uma breve estada na cidade de Gwalior. Foi neste país, numa noite de interação com militares num regimento onde estavam hospedados, que Forster enxergou Dickinson pela primeira vez como "uma figura sólida, que tinha seu próprio lugar no mundo e o mantinha com firmeza". "Este é o momento em que começo a usá-lo como uma pedra de toque e a condenar aqueles que não o apreciam", assevera ele no capítulo 11 da biografia, America, India, China.
"Assim que a guerra terminou, o ânimo de Dickinson melhorou. As pessoas que ele mais amava estavam de volta, e a Liga das Nações parecia começar bem em Genebra. Parei com ele em Lyme Regis na primavera de 1919. Não nos encontrávamos há três anos, então havia muito a dizer. Ele parecia mais velho e desgastado, mas estava alegre e animado, fazíamos longas caminhadas, reverências a Jane Austen, jogávamos xadrez no mesmo nível ruim e piquet sob regras conflitantes. Diz-se que ele foi o pior jogador de bridge do mundo. Alguém pode aludir a piadas impróprias em um livro de memórias? Várias foram feitas. O mundo parecia se acomodar em sua poltrona perdida por um momento. Minhas lembranças de Lyme Regis são um tanto vagas, e é possível exercitar as próprias memórias em uma consistência que os fatos não justificam. Ainda assim, a impressão é de felicidade, esperança, nuvens se dissipando." - capítulo 12, The War and the League (1914-1926).
"Estou com Lowes Dickinson, que esqueceu a Liga das Nações, o Fundo de Ajuda da Universidade de Viena, a fome na China, os franceses na Síria, a depreciação do Marco, o linchamento dos negros na América, o despovoamento das ilhas do Mar do Sul, e a inquietação na Irlanda por um tempo, e senta-se com um boné de mandarim traduzindo Fausto com satisfação e rapidez. Tudo é paz e o cinza perolado, e o gato e o cachorro, ambos fêmeas, deitam-se para dormir nos braços um do outro ou sentam-se na parada deserta e observam as gaivotas."
Forster escreveu e publicou algumas críticas de trabalhos de Dickinson. Pilgrim’s Progress é o título de uma crítica de The Magic Flute (1920), editada em 1921 no jornal Daily News. Já em 1930, emitiu seu parecer sobre Points of View, uma série de transmissões radiofônicas encabeçadas por Dickinson, Dean Inge, H. G. Wells, J. B. S. Haldane e Sir Oliver Lodge. A Broadcast Debate saiu em 1930 no jornal político Nation and Athenaeum.
Dickinson foi um visitante recorrente em West Hackhurst, na vila de Abbinger Hammer, Surrey, onde a mãe de Forster morava e ele mesmo passava temporadas. Chegavam a passar mais de dez dias juntos na propriedade, aproveitando férias, feriados e finais de semana, e Forster sentia-se feliz ao convidar outros amigos para conhecê-lo nessas ocasiões.
Sua última visita foi em julho de 1932. Algum tempo depois, ele deu entrada no Guy's Hospital, em Londres, onde foi submetido à cirurgia de próstata cujas complicações o matariam. Consciente dos riscos que corria, ele havia se encontrado com Forster na capital, pouco antes naquele verão, para entregar-lhe um pacote com documentos importantes: a autobiografia que acabara de concluir e cartas a serem entregues às suas irmãs no caso de sua morte.
"[...] Ele me escreveu um pouco antes que não sentia medo da morte, apenas uma espécie de excitação, mas uma dor terrível. Tudo parecia estar indo bem, ele não sentia nenhum desconforto excessivo e planejava passar a convalescença com os Trevelyan e Elliott Felkin. O que quer que ele possa ter sentido em junho, ele não tinha dúvidas agora, sua família e amigos também não. Estive com ele na terça; Na noite seguinte, recebi a notícia por intermédio de Ferdinand Schiller e a princípio não pude acreditar. Ainda há algo irreal nisso, provavelmente porque ele nunca se fingiu de inválido. Ele estava principalmente ocupado em nos poupar problemas e em poupar nossos sentimentos. Estranhamente, ele conseguiu. Um caráter com sua força consegue sustentar aqueles que se agarram a ele e eu tenho 'pensado' mais em mortes de pessoas que amei muito menos. Talvez ele nos tenha transmitido a impressão que tinha recebido com a morte de sua irmã Janet. Não houve autoconsciência ou cinismo em sua partida, nenhuma sentimentalidade e nenhuma 'mensagem'; não exigia um tom de voz especial porque ele nunca havia usado um. No entanto, não era pagão, a menos que a música dos sacerdotes de The Magic Flute pudesse receber esse nome. Isso não sugeria que ele havia se tornado um com o universo ou que havia partido para sempre." - capítulo 15, The Last Months June - August 1932.
"Quem não vai sentir falta dele? A Sra. Newman, sua camareira, disse: 'Ele foi o melhor homem que já existiu', e eu escreveria isso em seu túmulo, se ele precisasse de um."
"Homenagens são coisas vazias, mas quando alguém conhece um homem há mais de trinta anos e o considera grande, algo tem que ser feito. Grande? Esta é claramente a palavra errada para Lowes Dickinson, sugere inacessibilidade e o poder de fazer os outros se sentirem pequenos, enquanto ele tinha o poder de trazer as pessoas para fora. Enquanto estavam com ele, eram felizes e divertidas. Quando o deixavam, descobriam que ele havia estendido sua simpatia e exercitado sua inteligência, de modo que a terra e o universo se tornassem lugares maiores."
No outono de 1935, o escritor mais uma vez vivenciou experiência semelhante a que o amigo Dickinson tinha passado em vida. Ele teve que se submeter a uma cirurgia de próstata, após sofrer por dois anos com um problema de bexiga e fortes dores de cabeça. Sua alarmista mãe estava convencida de que ele não sobreviveria à operação e ele, lembrando-se do desfecho de Dickinson, estava inclinado a achar o mesmo. A cirurgia foi um sucesso e o alívio suplantou os temores.
Dickinson fotografado por Walter Stoneman em 1931, um ano antes de sua morte. | Foto: National Portrait Gallery, Londres. |
"Dickinson era a quintessência de um certo tipo de professor de Cambridge, e certamente constituiu um Forsterian ideal.Tímido, erudito, discreto homossexual, de coração caloroso, mas com uma mente afiada, ele incorporava qualidades que, no devido tempo, passaram a ser associadas com o próprio Forster."
"Eu o atraí para mim; é estranho exercer poder sobre alguém que se respeita, e cansativamente o suficiente, isso não aumenta o respeito. A guerra o estilhaçou e inspirou pouco mais que uma lamúria. Ele se sente velho. - Mesmo assim, estamos finalmente numa base de camaradagem. Maurice fez isso."
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