Capa da edição de estreia da revista. |
Confira nosso post introdutório.
Em 1905, com a idade de vinte e seis anos, Forster publicou seu primeiro romance, Where Angels Fear to Tread (Por onde os anjos temem passar), seguido de uma série de outros: The Longest Journey (A mais longa viagem) (1907); A Room with a View (Um quarto com vista) (1908); e Howards End (1911). Passou a Primeira Guerra no Egito, como civil à serviço militar, e mais tarde, reuniu suas observações em livro de roteiro à Alexandria.
Em 1924 concluiu seu quinto trabalho que é, também, o mais famoso: A Passage to India (Passagem para a Índia). Foi seu derradeiro romance. Mas já era então um escritor de sólida reputação, e, com base em seus trabalhos publicados, sua estatura literária continuava em ascensão. "Sua reputação", comentava-se, "cresce a cada livro que não escreve". Na verdade, Forster continuou a produzir uma obra brilhante, de não-ficção: Abinger Harvest (1926); Aspects of the Novel (Aspectos do Romance) (1927); Two Cheers for Democracy (Dois Vivas à Democracia) (1951); e The Hill of Devi (O Monte de Devi) (1953). Em 1951 foi autor de um libreto para a ópera de Benjamim Britten, Billy Budd.
Expulso de sua cidade natal, em Abinger, pelos bombardeios da II Guerra Mundial, Forster passou os últimos anos em Cambridge, onde é membro honorário do Conselho Universitário do King's College.
"Isso não é o ARCTIC SUMMER completo - falta ainda mais da metade de - mas isso é tudo quanto desejo ler, porque termina aqui, ou penso que termina, e não quero que minha voz se eleve aos ares enquanto meu coração naufraga. Seria mais interessante pensar nos problemas com que me defrontei e porque não fui capaz de solucioná-los. Gostaria de fazê-lo, embora o assunto possa envolver-nos, um pouco, em detalhes técnicos da ficção..."
Foram estas as palavras ditas por E. M. Forster perante a assistência do Festival de Aldeburgh de 1951. Havia lido parte de um romance inacabado intitulado ARCTIC SUMMER. Ao findar a leitura, explicou o motivo pelo qual não havia terminado o romance, o que fez mencionar aquilo que chamou de "detalhes técnicos da ficção".
Baseando-nos nos comentários de Forster, em Aldeburgh, tentamos registrar suas impressões sobre temas como os que abordou, em entrevista concedida no King's College, na tarde de 20 de junho de 1952.
Amplo salão de teto alto, decorado no estilo Eduardiano. Desperta atenção a cornija da lareira trabalhada em madeira, com porcelana azul nos vãos. Grandes retratos desenhados, em molduras douradas pelas paredes (seus ancestrais Thornton e outros), um TURNER por seu tio-avô, e alguns quadros modernos. Livros de toda espécie, alguns belamente encadernados, outros não, em inglês e francês; poltronas enfeitadas com pequenos xales; um piano, uma mesa, e a caixa de calidoscópio; profusão de cartas abertas; chinelos cuidadosamente colocados numa cesta de papel.
Ao ler o que se segue, o leitor deve imaginar a atitude e as maneiras do Sr. Forster que, embora de extrema suavidade, são firmes, precisas. Ainda que desconcertantes, fornecendo uma série de pequeninas surpresas. A cada minuto desvia-se da ênfase esperada. Ao responder nossas respostas colocou-se na posição de fornecer declarações resumidas, seguidas de apartes decorativos, geralmente de grande interesse, porém extremamente difíceis de serem reproduzidas.
Entrevistadores: Para começar, poderíamos perguntar-lhe, novamente, por que nunca terminou o Arctic Summer?
Forster: Realmente respondi esta pergunta na introdução que escrevi para a leitura. A passagem crucial foi esta: "...se estes problemas foram solucionados ou não, resta um mais grave ainda. O que irá acontecer? Tenho a minha antítese, a antítese entre o homem civilizado que sonha com o Arctic Summer (Verão Ártico), quando haverá tempo para fazer as coisas, e o homem heróico. Mas eu não defini o que irá acontecer, e é por isso que o romance permanece fragmentário. O romancista devia, penso eu, sempre que começar um livro, definir aquilo que irá acontecer, e qual seria o fato de maior importância. Ele poderá alterar este acontecimento, com a evolução do romance, na realidade é muito provável que o faça, e mais, ele provavelmente deveria fazê-lo, senão o romance torna-se duro e amarrado. Mas, a presença de uma massa sólida em frente, uma montanha em torno da qual, ou através da qual a história deve ir, é o mais importante, e, aos romances que tentei escrever, essencial."
Entrevistadores: Qual a implicação da massa sólida? Quererá com isso dizer que todos os passos importantes da trama devem estar presentes, também na concepção original?
Forster: É lógico que não todos os passos. Mas deve existir algo, alguma finalidade maior que se deve atingir. Quando iniciei Passagem para a Índia, sabia que algo importante se deu nas cavernas de Marabar, e que isso teria posição de destaque no romance, mas eu não sabia o que seria exatamente.
Entrevistadores: Mas se o senhor não sabia o que iria acontecer aos personagens em ambas as circunstâncias, por que razão a problemática da Passagem para a Índia é tão diferente da que encontrou em Verão Ártico?... Em ambos os casos o senhor tinha suas antíteses.
Forster: A atmosfera do Verão Ártico não alcançou a densidade que consegui no Passagem para a Índia. Deixe-me ver como explicá-lo. As Cavernas de Marabar representavam uma área em que poderia acontecer uma concentração. Uma cavidade. (Percebemos que sempre falava das cavernas literalmente - como, por exemplo, quando interrompeu-se, anteriormente, para mencionar que os personagens deveriam passar "através" delas). Elas eram algo para realçar tudo: eram para engendrar um acontecimento, como um ovo. O que consegui em Verão Ártico foi algo mais débil, de menos peso, apenas fundo e cor.
Entrevistadores: O senhor mencionou as antíteses em seus romances. O senhor considera-as essenciais a qualquer romance que possa escrever?
Forster: Deixe-me pensar... Havia uma em Howards End. Uma mais sutil, talvez, no A mais longa viagem.
Entrevistadores: O senhor concorda com quem todos os seus romances não só lidam com algum dilema como pretendem ser verdadeiros e úteis com relação ao mesmo, tanto que se o senhor sentisse que determinado dilema é exagerado, suas contradições impossíveis de serem conciliadas, o senhor não escreveria sobre o mesmo?
Forster: Minha antítese seria verdadeira e digna de amor. Penso que o útil não entra aqui. Não estou certo se iria desistir apenas porque o dilema que iria abordar fosse insolúvel; pelo menos, não acho que deve fazê-lo.
Entrevistadores: Ainda sobre a questão da planificação do romance, já houve caso de um romance ter tomado um rumo inesperado?
Forster: É claro que aquela coisa maravilhosa do personagem fugindo com você, o que acontece com qualquer um, também aconteceu comigo.
Entrevistadores: O senhor poderia descrever um problema técnico qualquer que o tenha incomodado, em particular, em um de seus romances editados?
Forster: Tive problemas com o relacionamento de Rickie com Stephen (Herói do A mais longa viagem e seu meio-irmão). Quero dizer, de como torná-los íntimos. Tateei muito. Está tudo muito bem, uma vez que estão juntos... Não sabia como levar Helen a Howards End. Esta parte foi toda inventada. Existem muitas cartas. E, novamente, está tudo bem uma vez que ela está lá. Mas os fins sempre dão-me trabalho.
Entrevistadores: Por quê?
Forster: É em parte o que eu disse ainda há pouco. As personagens fogem conosco de certas dificuldades, e não se enquadram no esquema que se delineia.
Entrevistadores: Uma outra pergunta de detalhe. Qual foi a exata função da longa descrição do festival hindu no Passagem para a Índia?
Forster: Foi uma necessidade de arquitetura. Precisava de uma massa, de um peso, ou de um templo hindu, se preferirem: uma montanha de pé. Está bem colocado; e muita coisa foi posta para fora. Mas deveria ter mais. A massa aparece demais.
Entrevistadores: Para deixar de lado as perguntas técnicas, o senhor já descreveu alguma situação pela qual nunca tivesse passado?
Forster: A vida familiar de Leonardo e Jacky no Howards End é um exemplo disso. Ignorava-o totalmente... creio que consegui a coisa espontaneamente.
Entrevistadores: Quanto tempo deve levar depois de ter vivido uma experiência para poder descrevê-la?
Forster: Nesse caso o lugar é mais importante do que o tempo. Deixe-me falar-lhes um pouco mais sobre Passagem para a Índia. Este romance trouxe-me grandes dificuldades e cheguei a pensar que nunca o terminaria. Iniciei-o em 1912, após o que veio a guerra. Levei-o comigo ao retornar à Índia em 1921, mas descobri que o que havia escrito não era a Índia de maneira alguma. Era como ter colado uma fotografia por cima de um quadro. Contudo, não pude escrevê-lo enquanto permaneci na Índia. Quando saí de lá, pude continuá-lo.
Entrevistadores: Alguns críticos fazem objeção à maneira com que o senhor aborda situações de violência. O senhor concorda com essas objeções?
Forster: Acho que resolvi o problema satisfatoriamente em Por onde os anjos temem passar. Quanto aos demais, eu não sei. A cena nas Cavernas de Marabar substitui bem a violência. Quais foram os incidentes que vocês não gostaram?
Entrevistadores: Sempre preocupou-nos a morte súbita de Gerald no O caminho mais longo.¹ Por que escolheu aquela maneira?
Forster: Tinha que ser superado. Mas talvez tenha sido superado de maneira errada.
Entrevistadores: Incomoda-nos também a sedução de Helen por Leonardo Bast, no Howards End. É um caso tão repentino! É como se faltasse uma preparação para torná-lo convincente. Poder-se ia dizer que o acontecimento é mais alegórico do que realista.
Forster: Acho que vocês tem razão. Eu o fiz por causa de um desejo de provocar surpresas. Tem que ser uma surpresa para Margaret, e a melhor maneira de se obtê-lo é surpreeendendo o leitor também. Para tanto muita coisa teve de ser sacrificada, talvez demais.
Entrevistadores: Uma pergunta mais generalizada. O senhor admite que seus romances possuem simbolismo? Lionel Trilling parece sugeri-lo no livro sobre o senhor, isto é, tornando-se o simbolismo distinto da alegoria ou parábola. "A Sr.ª Moore", diz ele, "demonstrará mau humor com relação a Adela, suas ações porém terão bom eco; e
seus filhos serão seu eco posterior."
Forster: Não, não pensei nisso. Mas não poderia ter havido num outro ponto qualquer? O senhor não quer tentar outros exemplos?
Entrevistadores: A árvore no Howards End (um olmo, muitas vezes mencionado no livro).
Forster: Sim, aquilo foi simbólico; era o gênio da casa.
Entrevistadores: Qual o significado da influência exercida pela Sr.ª Wilcox sobre os demais personagens, após sua morte?
Forster: Interessei-me pelo efeito imaginativo de um ser vivo, mas de uma forma diversa da dos demais personagens: existindo na vida dos outros.
Entrevistadores: O senhor recebeu influência de Samuel Butler nisso? Quero dizer, pelas suas teorias de imortalidade vicária?
Forster: Não. (Pausa). Penso que tenho uma visão mais poética que a de Butler.
Entrevistadores: Podemos fazer-lhe, agora, algumas perguntas sobre o ofício imediato de escrever? O senhor mantém um livro de anotações?
Forster: Não, não o considero adequado.
Entrevistadores: Mas o senhor faria referências a cartas e diários?
Forster: Sim, isto é diferente.
Entrevistadores: Quando o senhor vai, digamos, ao circo, já lhe passou pela cabeça um pensamento como, por exemplo, "que bom seria transpor isto para um romance"?
Forster: Não, isso seria impróprio. Nunca digo "isso poderia ser útil". Não acho certo que um autor o faça. (Disse com firmeza). Todavia lugares trazem-me inspiração. "A História do Pânico" é o exemplo mais simples; "A estrada de Colonus", outro exemplo. A sensação do lugar inspirou-me também a escrever um conto intitulado "A Rocha", mas a inspiração foi fraca em qualidade, e os editores recusaram a história. Menciono isso na introdução aos meus contos.
Entrevistadores: O senhor planeja, com antecedência, a forma de seus romances?
Forster: Não, tenho muito pouca visão para fazê-lo. (Ficamos surpresos com isso, devido à sua explicação sobre a cena do festival hindu, em resposta anterior).
Entrevistadores: Alguma maneira especial para fazê-lo?
Forster: Acho difícil reconhecer as pessoas quando as encontro, embora não as esqueça. Lembro-me de suas vozes.
Entrevistadores: O senhor tem algum sistema wagneriano para ajudá-lo a conduzir tantos temas ao mesmo tempo?
Forster: De certa maneira sim, e interesso-me sobremaneira pela música e métodos musicais. Embora não considere isso um sistema.
Entrevistadores: O senhor escreve diariamente ou apenas sob uma inspiração?
Forster: Esta última. Mas o ato de escrever inspira-me. É uma sensação gostosa... (indulgentemente). É lógico que tive uma infância muito literária. Fui autor de vários trabalhos entre as idades de seis e dez anos. Dentre eles Ear-rings through the Keyhole e Scuffles in a Wardrobe.
Entrevistadores: Qual de seus romances veio-lhe primeiro à mente?
Forster: Parte do A Room with a View. Fui até a metade e depois deve ter havido um obstáculo.
Entrevistadores: O senhor já tentou escrever um tipo de romance totalmente diferente dos que já publicou?
Forster: Numa certa época tive a idéia de escrever um romance histórico. O cenário deveria ter sido renascentista. Após ter lido o Thais (de Anatole France) decidi-me afinal a tentá-lo. Mas, no fim, isso em nada resultou.
Entrevistadores: Como dá nome a seus personagens?
Forster: Geralmente encontro o nome de saída, mas nem sempre. O irmão de Rickie teve vários nomes. (Mostrou-nos trechos do manuscrito inicial do A mais longa viagem, no qual Stephen Wonham aparece como Siegfried; inclusive um capítulo omitido que descreveu como "extremamente romântico"). Wonham é denominação de pais, Quested, também. (Examinamos um dos rascunhos de Passagem para a Índia no qual, para sua própria surpresa, a heroína trazia o nome de Edith. O nome foi, mais tarde, modificado para Janet, antes de se tornar Adela.) Herriton foi por mim inventado. Munt era o nome de minha primeira governanta na casa de Hertfordshire. Existiu realmente a família Howard à qual, em certa época, pertenceu o verdadeiro Howards End. Por onde os anjos temem passar deveria ter sido intitulado "Monteriano", mas o editor achou que o título não era comercial. Foi Dent (Professor E. J. Dent) quem deu-me o atual título.
Entrevistadores: Até que ponto admite moldar seus personagens em pessoas reais?
Forster: Todos nós gostamos de fingir que não usamos pessoas reais, mas a verdade é que usamos. Usei alguns de minha família. Miss Bartlett era minha tia Emily; todos leram o livro mas nenhum deles percebeu-o. Tio Willie tornou-se Sr.ª Failing. Ele era um personagem óbvio e simples (corrigindo-se), óbvio sem ser simples. Miss Lavish era, na verdade, Miss Spender. A Sr.ª Honeychurch era minha avó. As três Misses Dickinson foram condensadas em duas Misses Schlegel. Philip Herriton foi moldado à forma do Professor Dent. Este sabia disso e mostrou-se interessado em sua própria evolução. Usei vários turistas.
Entrevistadores: Todos os seus personagens tem modelos da vida real?
Forster: Em nenhum de meus livros coloquei mais do que as pessoas de que gosto, a pessoa que penso ser, e as pessoas que me irritam. Isso coloca-me entre o grande número de escitores que não são realmente romancistas, e tem de lidar da melhor maneira possível com essas três categorias. Não temos o poder de observar a variedade da vida e descrevê-la desapaixonadamente. Poucos o fizeram. Tolstoi foi um, não?
Entrevistadores: Poderia dizer-nos algo sobre o processo de transformar um ser real num de ficção?
Forster: Um truque útil é o de olhar para uma determinada pessoa com olhos entreabertos, descrevendo, por completo, certas características. Restam-me cerca de dois terços de um ser humano e posso começar a trabalhar. Não se almeja uma semelhança que jamais poderia ser obtida porque um homem só é ele mesmo no meio das circunstâncias particulares de sua vida, e não no meio de outras. Portanto, referir-me a Dent quando Philip está em dificuldades com Gino, ou perguntar a uma Miss Dickinson o modo como deveria Helen comportar-se com um filho ilegítimo, seria o mesmo que arruinar a atmosfera e o romance. Quando tudo vai bem, o material original não demora a desaparecer, e um personagem que pertence ao livro e a nenhum outro lugar, emerge.
Entrevistadores: Existe algum de seus personagens que possua suas próprias características?
Forster: Rickie mais do que qualquer outro. Philip também. E Cecil (do A Room with a View) tem algo de Philip.
Entrevistadores: Que grau de realidade possuem seus personagens depois de ter terminado de escrever sobre os mesmos?
Forster: Isso varia muito. Existem alguns sobre os quais gosto de pensar. Rickie e Stephen, e Margaret Schlegel: todos os três são personagens que despertaram em mim grande interesse em suas vidas. Não importa se morreram ou não no romance.
Entrevistadores: Temos mais algumas perguntas sobre sua obra como um todo. Primeiro, até que ponto cada romance é uma experiência inteiramente nova?
Forster: Bastante. Mas será experiência a palavra certa?
Entrevistadores: Existe algo escondido por trás da obra de um autor, aquilo que Henry James denominou de "uma figura no tapete"? (Ele pareceu em dúvida). Bem, o senhor gosta de guardar segredos dos leitores?
Forster (iluminando-se): Ah, agora essa é uma pergunta diferente... Fiquei contente quando Peter Burra² percebeu que a vespa na qual Godbole medita durante o Festival no Passagem para a Índia, já havia aparecido antes, no romance.
Entrevistadores: Essas vespas tem algum sentido esotérico?
Forster: Apenas no sentido de que existe algo de esotérico na Índia com relação a todos os animais. Apenas inseri-o; e, mais tarde, vi que tinha algo que poderia voltar a aparecer na história, sem lógica nenhuma.
Entrevistadores: Até que ponto o senhor tem consciência de sua própria habilidade técnica, em geral?
Forster: Sempre voltamos a isso. As pessoas não podem conceber até que ponto somos inconscientes nisso; a pessoa vive tateando. Eles querem-nos mais informados do que somos. Ah, se os críticos pudessem ter um curso sobre o fato de os escritores não terem ideia formada sobre as coisas; um ciclo de conferências. (Sorriu.)
Entrevistadores: O senhor declarou uma vez que os autores com quem mais aprendeu foram Jane Austen e Proust. Tecnicamente, o que foi que aprendeu com Jane Austen?
Forster: Aprendi as possibilidades do humor doméstico. É lógico que fui mais ambicioso do que ela; tentei aplicá-lo a outras coisas.
Entrevistadores: E de Proust?
Forster: Aprendi com ele a olhar para um personagem. A maneira moderna do subconsciente. Transmitiu-me a técnica moderna tanto quanto me foi possível assimilar. Nunca consegui ler Freud ou Jung; era preciso que os filtrassem para mim.
Entrevistadores: Houve outros romancistas que o tenham influenciado, tecnicamente? E Meredith?
Forster: Admirava-o: O Egoísta e trechos de melhor construção de outros romances; mas isso não quer dizer que me tenha influenciado. Não sei se o fez. Fez coisas que eu não poderia fazer. O que eu admirava era a sensação de uma coisa abrindo para uma outra. Você entra num quarto com ele, e, então, isso se abre para um outro quarto, e aquele para um outro.
Entrevistadores: O que o levou a fazer o comentário citado por Lionel Trilling, que quanto mais envelhece menos se preocupa com o fato de que um artista deve "evoluir"?
Forster: Estou mais interessado na realização do que no seu avanço ou declínio. Interessam-me mais as obras do que os autores. O desejo paternal dos críticos em mostrar que um autor sofreu uma queda ou subiu, ao longo de sua vida, parece-me inadequado. Só me interesso por mim mesmo como um produtor. Como foi mesmo que Mahler disse?: "qualquer um poderá compreender-me, suficientemente, se traçar minha evolução através de minhas nove sinfonias". Isto parece-me estranho; não poderia imaginar-me fazendo tal observação; parece muito incasual. Outros escritores consideram-se objeto de estudo. Sou vaidoso, mas não nesse particular. É lógico que gosto de ler meu próprio trabalho e faço-o com frequência. E leio devagarinho os trechos que considero ruins.
Entrevistadores: Mas o senhor tem em alta conta seu próprio trabalho?
Forster: Sim, isto estava implícito. O que lamento é que não escrevi um pouco mais; que o edifício todo não seja maior. Penso que sou diferente dos demais escritores; eles professam muito mais preocupação. (Não sei se é genuíno). Sempre senti prazer no ato de escrever, e não entendo o que querem as pessoas dizer com "agonia da criação". Sempre deu-me prazer, mas acho que, de certa forma, isso é bom. Mas se irá perdurar, não tenho a menor ideia.
P. N. Furbank
R. J. H. Haskell
¹ O famoso quinto capítulo do A Mais Longa Viagem começa com "Gerald morreu naquela tarde".
² Burra foi o autor do prefácio à edição de Everyman do romance Passagem para a Índia.
Tradução: Brenno Silveira.
Tradução: Brenno Silveira.
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