sábado, 19 de setembro de 2020

Pharos and Pharillon - Parte II


Leitura comentada


Recentemente, enquanto lia Pharos and Pharillon, fiz rápidas anotações sobre cada um dos seus capítulos. Compartilho-as a seguir:

PHAROS

O Farol de Alexandria ilustrado pelo arqueólogo alemão Herman Thiersch em 1909. Imagem: Ullstein Bild via Getty Images.


Pharos - Em três partes, Forster faz um resumo da trajetória do memorável Farol de Alexandria, da sua construção à ruína. Ele explica como era a a estrutura física do farol, porque era tão necessário para Alexandria e a extrema importância que teve no imaginário dos habitantes da cidade;

The Return From Siwa - O segundo capítulo trata da fundação de Alexandria por Alexandre, o Grande, em 331 a.C. "Ele veio com Dinócrates, seu arquiteto, e ordenou que ele construísse, entre o mar e o lago, uma magnífica cidade grega". Além disso, traz um pequeno panorama da vida e conquistas de Alexandre;

Epiphany - As circunstâncias da ascensão ao trono de Ptolemeu V Epifânio, em 204 a.C, após os assassinatos de seus pais, o faraó Ptolemeu IV Filópator e a rainha Arsínoe III. Retrata as conspirações que levaram Agátocles, o primeiro ministro, a ser regente e guardião do órfão, a revolta do povo e as mortes dos assassinos;

Philo's Little Trip - O episódio em que o imperador romano Calígula recebeu uma delegação de judeus alexandrinos, liderados por Fílon de Alexandria, em 40 d.C. O objetivo da delegação era tratar dos conflitos civis entre judeus alexandrinos e a comunidade grega;

Clement of Alexandria - Controvérsias teológicas dentro do Judaísmo, seguidas por um pequeno histórico da contribuição de Clemente de Alexandria ao Cristianismo. Clemente foi um escritor, teólogo e apologista cristão grego nascido em Atenas. Também fala sobre alguns de seus tratados, como Exortação aos Gregos;


A antiga basílica de Santo Atanásio, em Alexandria, mais tarde mesquita de Attarine. Gravura de Baltard e Giraud, 1822. 


St. Athanasius - Dividido em duas partes, trata da história de Atanásio de Alexandria, arcebispo da cidade, doutor e santo da Igreja Católica, e suas disputas com Ário, o fundador da doutrina arianista, considerada herege; 

Timothy The Cat & Timothy Whitebonnet - O assassinato do Patriarca Protério de Alexandria por monges instigados por Timothy Ailuros e a ascensão deste ao patriarcado; 

The God Abandons Antony - Poema de C. P. Cavafy.


PHARILLON

Eliza in Egypt -  Em quatro partes, narra parte das traumáticas aventuras da viajante Eliza Fay no Egito;

Cotton from the Outside - Em três partes, o pandemônio na Bolsa de valores de algodão, principal cultura de Alexandria e visita a Minet el Bassal, local onde o produto era vendido;

The Den - As incursões de Forster por locais de venda ilegal de haxixe em Alexandria. O escritor acompanhou uma operação policial em busca do entorpecente. Baseado em experiências de maio de 1916;


Cartão postal da Rua Rosette, em 1916. Foto: Delcampe. 


Between the Sun and the Moon - A história da Rua Rosette, que por "seu comprimento, limpeza e monotonia refinada de sua arquitetura" supera as outras que "disputam a honra de ser a principal via de Alexandria";

The Solitary Place - Descrição do oeste do Egito e das espécies de flores lá encontradas;

The Poetry of Mr. Cavafy - Suas impressões acerca do poeta greco-alexandrino e sua obra. Contém trechos de poemas como The City Ithaca, além de Alexandrian Kings na íntegra. 


A recepção da crítica


Rose Macaulay. Foto: Sasha/Hulton Archive/Getty Images.
Pharos and Pharillon recebeu avaliações mistas da crítica. Além de julgar positivamente a obra, a escritora Rose Macaulay, autora de The Writings of E.M. Forster (1938), nos conta a reação de D. H. Lawrence ao livro enviado por Forster:

"Gostamos das joviais, carinhosas e emocionantes luzes de comédia que iluminam para nós os caminhos antiquados da história. Os comentários de D. H. Lawrence, dados a Forster em uma carta, são, como sempre, egocêntricos e perspicazes: 'Obrigado por Pharos e Pharillon, que eu li. Triste como sempre, como uma alma perdida chamando Icabod. Mas prefiro a tristeza ao Stracheyism [referência a Lytton Strachey]. Para mim você é o último inglês. E eu sou o único depois disso.'" 

Lawrence escrevia diretamente da cidade alemã de Baden-Baden, em 19 de fevereiro de 1924. 

Uma crítica de 1923 no Times Literary Supplement, também elogia Pharos and Pharillon:


"A sina da guerra lançou o Sr. Forster sobre Alexandria, e Alexandria lançou seu feitiço sobre ele. [...] a história de Alexandria, vista (ou refratada) pela mente do Sr. Forster, se torna uma manifestação de si mesma. [...] "Pharos e Pharillon" - exceto um ensaio que lembra Strachey - é integralmente peculiar e bom. Portanto, concluímos que em Alexandria, o Sr. Forster encontrou um lar espiritual; o peixe estranho achou mais fácil respirar naquelas águas suspeitamente cristalinas. Se ele sabia o que tinha acontecido no momento em que chegou lá, ou se foi seu encontro com o Sr. Cavafy e seu reconhecimento dele como um exilado do mundo de coisas que simplesmente são o que são chamadas - não importa o que o encorajou..."

Bombardeio de Alexandria, em 11 de julho de 1882.
Logo após elogiar Alexandria: A History and a Guide em seu livro intitulado simplesmente E. M. Forster, o crítico literário americano, Lionel Trilling, não tem uma avaliação positiva sobre o seu sucessor:

"Muito menos pode ser dito sobre Pharos and Pharillon, outra incursão na história alexandrina e na cor local. O volume é infundido com a aridez que foi observada anteriormente como falha nos primeiros ensaios históricos de Forster; os anos apenas o intensificaram. 

Sob a implacável gentileza de Forster, o passado se torna o que nunca deveria ser, singular, inofensivo e ridículo. Menelau, Alexandre, os Ptolomeus, os judeus, os árabes, os teólogos cristãos, o próprio farol, todos ficam submersos em alta ironia. Essa falta de gosto desesperadamente persistente é ainda mais surpreendente, porque Forster a caracterizou tão corretamente em um de seus melhores ensaios, The Consolations of History.

[...] Uma única sentença de Pharos and Pharillon aponta para longe deste antiquarianismo esbelto e festivo; ao falar de Fort Kait Bey, Forster menciona os buracos "feitos pelo almirante Seymour quando bombardeou o forte em 1882 e lançou as bases de nossa relação com o Egito moderno".

Dois destaques


Li Alexandria: A History and a Guide Pharos and Pharillon em sequência. Apreciei ambos, mas o segundo capturou bem mais minha atenção e proporcionou uma leitura mais prazerosa e estimulante. Meus ensaios favoritos são Pharos The Den, na primeira e segunda partes, respectivamente. Destaco dois trechos de Pharos logo abaixo e em seguida reproduzo um fragmento bem interessante sobre a concepção de The Den, encontrado no livro de Wendy Moffat, A Great Unrecorded History: A New Life of E. M. Forster

Trecho de Pharos:

"Assim como o Parthenon havia sido identificado com Atenas, e São Pedro [a praça] deveria ser identificado com Roma, para a imaginação dos contemporâneos, 'O Pharos' se tornou Alexandria e Alexandria, o Pharos. Nunca, na história da arquitetura, um edifício secular foi assim adorado e levado a uma vida espiritual própria. Ele iluminou a imaginação, não apenas os navios, e muito tempo depois que sua luz foi extinta, memórias dele brilhavam nas mentes dos homens."

"[...] Então veio a lanterna. A lanterna é um quebra-cabeça, porque parece ter compartilhado sua área estreita com uma fogueira e delicados instrumentos científicos. Os visitantes falam, por exemplo, de um misterioso 'espelho' lá em cima, que era ainda mais maravilhoso do que o próprio edifício. O que foi esse espelho e por que ele não rachou? Um refletor de aço polido para o fogo à noite ou para heliografia durante o dia? Alguns escritores o descrevem como feito de vidro finamente forjado ou pedra transparente, e declaram que, quando sentados sob ele, podiam ver navios no mar que eram invisíveis a olho nu. Um telescópio? É concebível que a escola alexandrina de matemática e mecânica tenha descoberto as lentes e que sua descoberta foi perdida e esquecida quando o Pharos caiu?"

Trecho de A Great Unrecorded History: A New Life of E. M. Forster, de Wendy Moffat, sobre o ensaio The Den:

"Ele [Forster] explorou as ruas sinuosas de Alexandria, os lugares onde um homem sem mapa se perderia. E pesquisou ativamente a cidade secreta do vício. Usando suas conexões dentro do Escritório de Censura, Morgan fez amizade com um oficial egípcio na polícia. Ele pediu que o oficial encontrasse um esconderijo de haxixe fora do alcance das autoridades britânicas. Hash era considerado uma droga mais terrível que o ópio. No relato público - 'The Den', em Pharos and Pharillon - ele moldou a expedição como um divertido esboço de cores locais com um toque especial. O den desaponta. Nenhuma droga é encontrada, e a expedição se torna uma ocasião para zombar do desejo inglês de uma experiência exótica emocionante. Mas em sua carta particular a Edward Carpenter, ele confessou uma história muito diferente com uma moral bem diferente. 

Aqui,  Morgan deixou claro que o episódio o excitou sexualmente. O vício em drogas e o vício sexual tinham a mesma raiz, e ele estava profundamente envolvido na busca por ambos.

'Subimos as escadas escuras em uma favela e arranhamos uma porta no topo... Empurramos e encontramos uma pequena e bem-educada companhia fumando a droga, silenciosa e lânguida. Havia uma garota árabe, com os pés descalços, muito jovem e cansada, e alguns atendentes jogando cartas juntos - para não falar de ruídos estranhos em salas fechadas. Um dos meninos fez um sinal para mim. Eu não respondi, mas ele veio e sentou-se... no banco. Na verdade, ele era um jovem de extraordinária beleza e charme, muito grande, bem constituído e viril, apesar da delicadeza dos lábios e da suavidade dos olhos. Ele usava garabia e tarboosh, não falava italiano e eu não falava árabe. Os outros meninos - com trajes europeus e menos charmosos - também faziam sinais. Todos - exceto nós mesmos - fumavam. Eu teria fumado se estivesse sozinho.'

Esse episódio sedutor foi interrompido, como costumava ser para Forster, pela chegada dos europeus. 'Três... jovens elegantes de chapéu de palha, provavelmente vendedores italianos' entraram e estragaram o clima. [...] 'Bem, agora, com a devida consideração pelo censor, indiquei o que para mim foi uma noite interessante e até atraente. Eu me senti curiosamente em casa naquele covil de vício.'"

Cartas 


A seguir, quatro cartas trocadas entre E. M. Forster e C. P. Cavafy, sendo três durante a concepção de Pharos and Pharillon e uma depois da publicação do livro. Clique nas imagens para ampliar. 



07 de julho de 1922 - Carta de E. M. Forster para C. P. Cavafy. Ele diz ao poeta que deseja incluir o artigo The Poetry of C.P. Cavafy, publicado em The Athenaeum, em seu novo livro sobre Alexandria e pede sua aprovação. 





31 de dezembro de 1922 - Carta de E. M. Forster para C. P Cavafy. O escritor dá notícias sobre a publicação de Alexandria: A History and a Guide, sem mencionar o nome da obra, e faz referências aos poemas In the Month of Hathor e The God Abandons Antony, de Cavafy. Ele ainda inclui um rascunho do índice de Pharos and Pharillon, apresentando o conteúdo e a estrutura de seu novo trabalho.






05 de julho de 1923 - Carta de E. M. Forster para C. P. Cavafy. Forster o informa sobre a recepção de Pharos and Pharillon e relata o interesse da editora Chatto & Windus nos poemas de Cavafy e a possibilidade de publicá-los na Grã-Bretanha. Forster pede que Cavafy solicite mais traduções de seus poemas a George Valassopoulo.





07 de outubro de 1923 - Carta de C. P. Cavafy para E. M. Forster, com comentários positivos sobre Pharos and Pharillon. O poeta agradece pelo exemplar que recebeu e afirma que apreciou muito o livro. Ao final, agradece pelo artigo sobre sua obra. 


Capas



Fontes de pesquisa: 
E. M. Forster (1943), de Lionel Trilling;
An E. M. Forster Chronology (1993), de J. H. Stape;
The Writings of E.M. Forster (1938), de Rose Macaulay;
Alexandria Still: Forster, Durrell, and Cavafy (1977), de Jane Lagoudis Pinchin;
A Great Unrecorded History: A New Life of E. M. Forster (2010), de Wendy Moffat;

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