Há alguns anos, publiquei um post sobre essa entrevista de E. M. Forster ao programa Monitor, da BBC, em 1958. Hoje trago um post mais completo sobre esse registro em vídeo do escritor, no qual ele avalia seu próprio trabalho e reflete sobre a vida na Universidade de Cambridge, o início de sua carreira e livros que publicou - incluindo a revelação do seu favorito.
Monitor foi um programa da BBC sobre artes em geral. Forster concedeu a entrevista no ano de estreia da atração, que durou até 1965. A transmissão original de sua participação ocorreu num domingo, em 21 de dezembro de 1958. No total, o programa teve 45 minutos, mas infelizmente, há apenas esse trecho de seis minutos e meio disponível na internet. Tenho esperanças de que algum dia seja disponibilizado completo.
Lançando mão das legendas geradas automaticamente pelo YouTube tentei traduzir tudo o que Forster nos conta. Creio que o resultado ficou aceitável, mas ressalto que alguns excertos ficaram de fora porque não conseguir assimilá-los. Confira o vídeo, postado em nosso canal no YouTube e, em seguida, a tradução das falas de Forster.
"A faculdade em particular onde estou, King's, tem uma imensa beleza. De um lado a capela, e do outro, o que para mim é uma tradição muito preciosa: os idosos e os jovens podem se conhecer aqui com muita facilidade e sem autoconsciência. É muito fácil as pessoas da minha idade encontrarem estudantes de graduação e eles parecem não se importar, o que eu acho que é uma das razões pelas quais eu gosto deste lugar.
Eu realmente não sei o quanto isso me ajudou na minha escrita. Tenho certeza de que um escritor deve sair para o mundo e conhecer mais tipos. Dizem que o povo têm mais classes, mas é claro que, em Cambridge, agora você pode conhecer pessoas de todas as classes, principalmente intelectuais selecionados. É muito necessário para o escritor e também para todos as outras pessoas circularem por todo o lugar. Eu cheguei aqui como estudante de graduação e depois fui embora por muitos anos, viajando para a Índia, e assim por diante.
Estou muito satisfeito por A Passage to India ter atingido sucesso e influência, porque acredito que o que eu queria expressar era o lado político, embora não seja primordialmente um livro político. Neste último ano, tive muita sorte de estar na Itália novamente, na Grécia e até na Turquia e Constantinopla.
E agora voltei para Cambridge, na minha velhice, e estou muito feliz por ter retornado. Acho que é um lugar de pessoas muito jovens e muito velhas. As pessoas de meia idade vão embora e tem outras experiências. Esta é minha percepção geral sobre Cambridge. E por incrível que pareça, foi Cambridge que primeiro me fez escrever. Neste mesmo quarto onde estou agora, uma vez meu professor Wedd sugeriu que eu escrevesse e ele fez isso da maneira mais informal. Ele disse, com uma espécie de voz arrastada: "Eu realmente não vejo por que você não deveria escrever". E eu fiquei encantado com esta observação e pensei bem. Afinal, por que não deveria escrever? E então escrevi. E assim comecei a escrever em Cambridge e claro que poderia ter começado por alguma outra razão. Eu não escrevi tanto quanto eu gostaria e acho que esse é meu único arrependimento.
E é claro que eu ficaria feliz em escrever mais romances como A Passage to India. Vendeu tão bem, e escrevo por duas razões: em parte para ganhar dinheiro e em parte para ganhar o respeito das pessoas a quem eu respeito. Mais romances certamente teriam me tornado mais conhecido, mas de alguma forma me esgotei após A Passage. Eu queria escrever, mas não queria escrever romances. E essa é realmente uma história muito longa, mas uma das razões pelas quais parei de escrever romances é que o aspecto social do mundo mudou tanto, e eu estava acostumado a escrever sobre o velho mundo extinto, com suas casas e sua vida familiar. Eu consigo pensar sobre isso, mas não posso colocar na forma de ficção. Acredito que haja outras razões pelas quais eu tenha secado, mas eu não sequei de todas as maneiras. Eu escrevi uma biografia de minha tia-avó. E, a propósito, [sempre] gostei de escrever. Nunca achei isso uma provação ou um sofrimento, como alguns escritores.
É bom acrescentar, e estou bem certo disso, que não sou um grande romancista, porque só escrevi três tipos de pessoas: a pessoa que acho que sou, as pessoas que me irritam e as pessoas que eu gostaria de ser. Quando você conhece pessoas realmente grandiosas como Tolstói, descobre que elas podem se apossar de todos os tipos, mas a maioria dos romancistas, inclusive eu, é muito mais restrita em suas imaginações e simpatias. Nós não vamos muito fundo.
[Sobre A Passage to India] Eu não acho que seja o romance que eu mais gosto. Eu gosto mais de um que não é muito popular, chamado The Longest Journey. Acho que fiquei mais perto de colocar para fora o que tinha dentro de mim e o que queria dizer. Quanto aos outros, vejo que Howards End foi bem, mas às vezes fica um pouco entediante. Parece demais, com muitas normas sociais.
Eu suponho que as minhas opiniões e crenças surgem incidentalmente em meus livros. Lembro-me de Desmond McCarthy dizendo "Eu nunca preguei. Se você tem um sermão dentro de você, é certo que ele sairá incidentalmente e será muito mais eficaz". Qualquer pessoa que se interessar em ler meus livros verá o alto valor que atribuo às relações pessoais e à tolerância. E posso acrescentar ainda o prazer, que é presumível que não se deve falar em público, por mais divertido que seja em particular. Se eu tiver alguma influência, ficarei muito feliz por ter induzido as pessoas a aproveitar esse maravilhoso mundo em que nascemos e claro a ajudar os outros a desfrutá-lo também."
Neste trecho em áudio, repetem-se algumas falas, mas a novidade é que ele faz uma breve consideração sobre Where Angels Fear to Tread e A Room with a View:
"Eu tenho percepçõs diferentes em relação a eles [seus livros]. Estou muito satisfeito por A Passage to India ter atingido sucesso e influência, porque acredito que o que eu queria expressar era o lado político, embora não seja primordialmente um livro político. Eu não acho que seja o romance que eu mais gosto. Eu gosto mais de um que não é muito popular, chamado The Longest Journey. Acho que fiquei mais perto de colocar para fora o que tinha dentro de mim e o que queria dizer.
Quanto aos outros, vejo que Howards End foi bem, mas às vezes fica um pouco entediante. Parece demais, com muitas normas sociais. E os outros dois são principalmente italianos: Where Angels Fear to Tread e A Room with a View. Eu ainda gosto deles, porque ainda gosto da Itália. Receio que este seja um relato bastante presunçoso do meu trabalho, mas, de qualquer maneira, no que diz respeito à escrita, sou bastante vaidoso e, a propósito, [sempre] gostei de escrever. Nunca achei isso uma provação ou um sofrimento, como alguns escritores."
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