O trecho de hoje é longo. Não resisti a reproduzi-lo aqui, porque ele evidencia mais uma vez como E. M. Forster foi um exímio conhecedor do ser humano e suas necessidades. Conforme tenho feito nesta pequena série de posts que acompanham minha leitura de Aspectos do Romance, hoje destaco um trecho de mais uma parte do livro: Parte III - As pessoas.
"O amor. Todos vocês sabem o espaço enorme que o amor ocupa nos romances e, provavelmente, concordarão comigo que isso os tornou monótonos e causou-lhe danos. Por que essa experiência particular tem sido transplantada em quantidades tão generosas, especialmente na sua forma de sexo? Se vocês pensarem, de modo vago, num romance, pensarão em interesse amoroso - em um homem e uma mulher que querem se unir e talvez o consigam. Se pensarem do mesmo modo em suas próprias vidas, ou em um grupo de vidas, vão ter uma impressão muito diferente e mais complexa.
Pareceria existirem duas razões para que o amor, mesmo em romances bons e sinceros, esteja excessivamente destacado. A primeira, quando o romancista pára de desenhar suas personagens e começa a criá-las, o "amor", em qualquer de seus aspectos ou em todos, torna-se importante em sua mente e, sem querer, faz suas personagens exageradamente sensíveis a ele - exageradamente, no sentido de que, na vida, não os preocuparia tanto. A sensibilidade constante entre as personagens - mesmo em escritores chamados robustos, como Fielding - é extraordinária, e não há similar na vida, exceto entre pessoas com muito tempo disponível. Paixão - intensidade em certos momentos - sim, mas não esta constante consciência, esta interminável readaptação, este anseio incessante. Acredito serem estes os reflexos do próprio estado de espírito do romancista enquanto compõe, e a predominância do amor nos romances é, em parte, por causa disso.
Uma segunda razão, embora pertencendo logicamente a uma outra parte da nossa investigação, será anotada aqui; o amor, como a morte, é congenial para um romancista, pois termina um livro de modo conveniente. O autor pode fazê-lo durar para sempre, e seus leitores facilmente aceitarão isso, porque uma das ilusões ligadas ao amor é que ele será permanente: digo será em lugar de tem sido. Toda a História, toda a nossa experiência nos ensina que nenhuma relação humana é constante, é tão instável quanto os próprios seres vivos que a compõem, e eles devem balançar como equilibristas para que ela permaneça. Se for constante, não mais será um relacionamento humano, mas um hábito social, sua ênfase passou do amor para o casamento. Sabemos tudo isso; entretanto, não podemos suportar aplicar nosso amargo conhecimento ao futuro; o futuro vai ser tão diferente... surgirá a pessoa perfeita ou a que nós já conhecemos se tornará perfeita. Não haverá quaisquer mudanças, nem a necessidade de vigilância... Deveremos ser felizes, talvez mesmo desgraçados, para todo o sempre. Qualquer emoção forte traz consigo a ilusão da permanência, e os romancistas agarram-se a isso. Em geral, terminam seus livros com casamento, ao que não nos opomos, pois emprestamos a eles nossos sonhos." (tradução de Maria Helena Martins, editora Globo, 1998, págs. 52 e 53).
Confira também: Lendo Aspectos do Romance - Parte I;
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