Rooksnest e o notável olmo à esquerda. Foto de T.B. Latchmore, sem data. Atrás da foto, E. M. Forster escreveu "Apenas um registro do olmo (em Howards End)". Crédito: King's College Library, Cambridge.
PARA ALUGAR - em arrendamento ou de outra forma - uma CASA PEQUENA, em Rooksnest, Stevenage (sem mobília) contendo sala de estar, sala de jantar, hall, cozinha, copa, despensa e depósito no piso térreo, 4 quartos no primeiro andar, bons sótãos, wc etc; excelentes adegas. Lindamente situado com vistas amplas sobre algumas das partes mais bonitas de Herts. ¼ de milha da igreja de Stevenage e 1 ¼ milhas da estação de Stevenage. Alugar £ 45 ou com 4 hectares de excelente pasto £ 55. Estábulo se necessário. Para mais informações, pergunte ao Sr. Warren, Jun., Construtor, Stevenage.
O anúncio acima foi publicado no jornal Hertfordshire Express em 17 de junho de 1882. Ele despertou o interesse e exortou uma resposta de Alice Clara Forster, a mãe de E. M. Forster e, no ano seguinte, Rooksnest entrou na vida do pequeno futuro escritor para jamais sair de sua memória. Fazia três anos que a tuberculose vitimara seu marido, quando Alice e seu filho mudaram-se para a aprazível propriedade ao norte da cidade de Stevenage. Ali, ele viveria a maior parte de sua infância, dos quatro aos catorze anos (1883-1893).
O aluguel barato persuadiu Alice, assim como as remodelações da casa, como ela escreveu para sua prima, Maimie Synnot:
É uma casa muito antiga e, no entanto, está perfeitamente nova, foi remodelada, o interior foi escavado - tudo é tão agradável e bonito quanto possível - bons arranjos sanitários.
Durante esse período, a casa provia uma estrutura simples e despretensiosa, sem água corrente, gás ou eletricidade. A vida de Morgan em Rooksnest, em muitos aspectos, assemelhava-se a de seus contemporâneos, com refeições bem ordenadas, passeios locais, idas regulares à igreja, caminhadas até Chesfield Park e talvez um passeio por Stevenage numa carruagem puxada por um pônei. Sua mãe, cautelosa quanto à indiscrição social, não se misturava muito na comunidade e, portanto, ele teve uma infância bastante solitária.
Alice e o sobrinho Herbert Whichelo nos fundos de Rooksnest. Foto sem data. Crédito: King's College Library, Cambridge.
"O jardim, o olmo pairando, o prado inclinado, a excelente vista para o oeste, o penhasco de abetos para o norte, a fazenda vizinha através da alta sebe de rosas selvagens emaranhadas foram todos utilizados por mim em Howards End, e o interior também está no romance. Os moradores efetivos eram minha mãe, eu, duas criadas, dois ou mais gatos, um cão ocasional; fora um pônei e uma carruagem leve, com um garoto de jardim para cuidar deles.
"Desde o momento em que entrei na casa aos quatro anos de idade e quase caí num buraco atribuído aos ratos, levei-a ao meu coração e tive esperanças, como Marianne tinha de Battersea Rise, de viver e morrer lá. Estaríamos fora dali em dez anos. As impressões recebidas lá permanecem e ainda brilham - nem sempre são distinguíveis, mas sempre inextinguíveis..."
É irresistível procurar as referências à casa no próprio romance. A seguir, os trechos em que o escritor - através da carta de Helen para sua irmã, Margaret Schlegel - fala do olmo e da sebe de rosas, logo no início de Howards End:
"Também há um imenso olmo da montanha - à esquerda, conforme você olha - inclinando-se um pouco para a casa, no limite entre o jardim e o campo. Já estou completamente apaixonada por aquela árvore. [...] As rosas bravas são lindas demais. Há uma grande sebe delas cobrindo o gramado - magnificamente alta, fazendo com que caiam em guirlandas, e delicada e fina embaixo, de modo que dá para ver os patos através, e uma vaca. Eles pertencem à fazenda, a única casa perto de nós." (págs. 23 e 25, tradução de Cássio de Arantes Leite, Globo, 2006).
Ainda no que concerne ao olmo, no capítulo VIII do livro, Ruth Wilcox conversa com Margaret sobre um curioso costume local:
"Ah, isso pode interessá-la. Há dentes de porco fincados no tronco, cerca de um metro acima do solo. Moradores os puseram lá há muito tempo, acham que mastigar um pedaço da casca cura dor de dente. Os dentes estão quase cobertos pela vegetação, agora, e ninguém mais vai até a árvore."
"Eu iria. Adoro folclore e todo tipo de superstições perniciosas."
"Acha que a árvore realmente cura dor de dente, se a pessoa acredita nisso?"
"Claro que cura. Curava tudo... antes." (pág. 96, tradução de Cássio de Arantes Leite, Globo, 2006).
Pois bem. Como conta a escritora Margaret Ashby em seu livro Forster Country, certo dia o jovem Morgan encontrou dentes de suínos no tronco do olmo e depois tomou conhecimento do costume local de incorporar dentes na casca para curar dor de dente, uma curiosidade recontada através da personagem Ruth em Howards End.
Localizada na extremidade da cidade de Stevenage, que fica entre Letchworth Garden City, ao norte e Welwyn Garden City, Rooksnest foi construída ao estilo Tudor e remonta ao ano 1600. Em 1766, o local já aparecia no mapa em grande escala de Hertfordshire, de Andrew Dury e John Andrews. Nessa época, ela fazia parte da área rural da cidade e não da área urbana, como acontece hoje.
As informações sobre o passado de Rooksnest - antes da chegada de Forster e sua mãe - são escassas. Aparentemente, a casa pertenceu a uma família chamada Howard, cujas gerações a ocuparam por três séculos. Seu nome, em tradução literal, significa "Ninho de Gralhas", certamente pela presença destas aves na área.
A casa do século XVI está fundada numa propriedade de quatro hectares e meio. Toda cercada, fica a apenas 1,7 milha da estação ferroviária de Stevenage, de onde os trens para a estação de King's Cross, em Londres, levam menos de meia hora. Desta forma, seus moradores não estavam isolados da vida moderna da capital do país.
(Clique na imagem para ampliar) Mapa de esboço feito por Forster, mostrando a disposição dos quartos e do jardim da propriedade, no livro manuscrito de Rooksnest, Stevenage 1894-1947. Foto: King's College Library, Cambridge.
O acesso à casa é feito através da movimentada estrada de Weston Road. Na entrada há um alpendre de azulejos. A casa possui três salas de recepção, todas com lareiras, cinco quartos e três outros quartos de sótão que teriam sido destinados aos criados nos tempos de Morgan. Muitas características originais permanecem, como uma lareira a carvão, portas com painéis de carvalho, janelas salientes, uma antiga adega e uma copa. Na parede da cozinha, ainda existe uma fileira de sinos de serviço, um para cada quarto da casa.
Do lado de fora, jardins e relvados, em campos com grande variedade de árvores e arbustos. Dada a proximidade com Londres, o terreno é muito generoso e, além das dependências, há dois estábulos. Um é destinado a burros ou pôneis, enquanto o outro tem um bom tamanho e comedouros de feno nos cantos. Há também um pasto cercado, que juntamente com os estábulos, fazem da propriedade um local muito adequado para criação de cavalos.
Criei uma página especial com fotos da propriedade. Confira: Álbum de fotos de Rooksnest.
Criei uma página especial com fotos da propriedade. Confira: Álbum de fotos de Rooksnest.
No verão de 1893, o arrendador decidiu não renovar o contrato e a família Forster teve que deixar o Hertfordshire. Mãe e filho se mudaram, relutantemente, para o subúrbio da cidade de Tonbridge, condado de Kent, onde Forster passaria anos infelizes antes de encontrar seu nicho na Universidade de Cambridge. Para sua mãe, era apenas uma questão de tempo até ele se adaptar ao novo local, porém, para o jovem Morgan se revelou um evento traumático, que o afastou de sua tão estimada tranquilidade. Em The Creator as Critic and Other Writings, E. M. Forster afirma que sua vida teria seguido um curso bem diferente se ele tivesse continuado a viver em Rooksnest, pois muito provavelmente, ele teria se casado e lutado na guerra.
Sua profunda conexão com a casa perdurou até o fim de seus dias. Em 1946, ele participou da primeira campanha para salvar o campo ao redor de sua antiga casa das garras do desenvolvimento desenfreado. Durante uma transmissão de rádio, ele relatou:
"Quando menino, eu fui criado em um distrito que eu ainda acho o mais bonito da Inglaterra cheio de clematis, prímulas, jacintos, rosas-mosqueta e nozes."
Apesar de não viver mais na casa de campo, Morgan manteve contato com amigos e vizinhos e sempre demonstrou interesse em colaborar para que o campo permanecesse tão imperturbado quanto era durante sua infância. Ele estava preocupado com a possibilidade de que o entorno de Rooksnest fosse engolido pelo progresso de Stevenage. Apesar do esforços dos ativistas para evitar isso, a propriedade agora está na última terra restante dentro do limite do subúrbio da cidade, em vez de em um campo aberto - como costumava ser quando ele viveu lá.
Mais tarde, o escritor retornou ao seu antigo lar, como convidado da renomada compositora Elizabeth Poston, uma das moradoras da casa ao longo dos anos. A história da amizade inicial entre as famílias Poston e Forster e a relação de suas vidas reais com as dos personagens de Howards End é misteriosa. Essa amizade foi renovada mais tarde, nas pessoas da compositora e do escritor e continuou até a morte deste. Sem Elizabeth Poston, a emblemática terra não teria sobrevivido até hoje. Ela se engajou bastante na defesa do local, quando ameaças à sua preservação começaram a surgir em 1946. Depois disso, intensificaram-se as campanhas, em grande parte bem-sucedidas, que continuaram desde então.
Uma informação notável é que Elizabeth Poston assinou as composições das músicas das trilhas sonoras de pelo menos duas adaptações de livros de Forster para a TV: Howards End (1970) e A Room with a View (1973), ambos episódios da série BBC Play of the Month.
Em 19 de outubro de 1960, o jornal The Guardian cunhou o nome Forster Country para a área ao norte de Stevenage, onde Rooksnest está situada. Em 1979, ano do centenário do nascimento de E. M. Forster, mais de 2.000 pessoas foram à cidade devido à conexão do lugar com o escritor. Dez anos depois, o geólogo aposentado, John Hepworth e a escritora e palestrante, Margaret Ashby, fundaram a associação The Friends of Forster Country, em um esforço para preservar este patrimônio verde para sempre. Seus membros se reúnem regularmente e realizam uma caminhada anual no dia do aniversário de nascimento do escritor.
Hoje, a entrada do Forster Country é marcada por uma escultura onde se lê Only Connect, a célebre e significativa epígrafe de Howards End. A partir dali, o caminho conduz à St. Nicholas Church e a um panorama de campos e sebes. O monumento também celebra o ano de 1994, quando a terra foi incluída nos limites do Green Belt (Cinturão Verde), uma política de controle do crescimento urbano que estimula a preservação. A insigne escultora Angela Godfrey foi a responsável pela obra de arte.
Em tempo: Em outubro do ano passado, Rooksnest foi colocada à venda. O preço é £ 1,5 milhão. A propriedade continua disponível no mercado imobiliário.
Fontes de pesquisa: Country Life, Hertfordshire Life, Daily Mail, The Friends of Forster Country, Country Properties, Genealogy in Hertfordshire, The Guardian, Tate.
The Creator as Critic and Other Writings (2008), de E.M. Forster, editado por Jeffrey M. Heath.
Marianne Thornton - A Domestic Biography 1797-1887 (1956), de E. M. Forster.
Forster Country (1991), de Margaret Ashby.
Marianne Thornton - A Domestic Biography 1797-1887 (1956), de E. M. Forster.
Forster Country (1991), de Margaret Ashby.
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