sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Uma crítica de Howards End

A primeira edição de Howards End.

Imagine ser um escritor e ter uma crítica do seu livro publicada num dos jornais mais importantes do mundo? Durante muito tempo, as avaliações literárias veiculadas no The New York Times gozaram do poder de selar o destino de uma obra. Positiva ou negativa, a crítica poderia interferir no desempenho comercial do livro. Mas claro que isso não era uma regra inabalável.

E. M. Forster teve algumas de suas obras avaliadas por críticos do The Times e uma delas é citada em When the Times Book Review Panned the Classics, um breve resgate de Jennifer Harlan sobre as críticas negativas de livros que se tornaram muito famosos e conceituados.

Howards End foi publicado em 18 de outubro de 1910 e teve sua crítica publicada no jornal alguns meses depois, em 19 de fevereiro de 1911. Nessa época, as avaliações não eram assinadas e tal anonimato poderia ensejar críticas bastante carregadas e brutais. O periódico só começou a exigir assinaturas a partir de 1924. 

Na categoria de livros mal avaliados do Times Book Review, Howards End está acompanhado de obras do naipe de The Voyage Out, de Virginia Woolf, Anne of Green Gables, de L. M. Montgomery e Tender is the Night, de F. Scott Fitzgerald.

O trecho da crítica pinçado por Jennifer Harlan despertou minha curiosidade pela íntegra do texto e o encontrei tanto nos próprios arquivos digitalizados do jornal, quanto no livro E. M. Forster: The Critical Heritage (1973), editado por Philip Gardner. Publico aqui uma tradução amadora do conteúdo. 




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"HOWARDS END"
POR E. M. FORSTER

Um Romance Que Sugere a Obra de Galsworthy 
Mas Carece da Força Galsworthiana.


A nota de placidez estúpida sobre a qual Howards End é concluído lembra a excelente quadra de Charles Godfrey Leland:


‘De gustibus’, ’t is stated,
‘Non disputandum est’.
Which means, when ’t is translated,
That all is for the best.


Como filósofo social, evidentemente, o Sr. Edward M. Forster ainda não chegou a quaisquer convicções muito positivas. Tendo inclinado de forma um pouco deferente em relação a cada uma das opiniões prevalentes, ele recupera graciosamente seu equilíbrio no obstáculo: ele não é combatente. 

No entanto, Howards End é moldado à semelhança do romance psicológico-sociológico. Suas três famílias são evidentemente projetadas para resumir três estratos sociais distintos; a relação deles apresenta algumas possíveis fases da relação entre essas classes, e cada caráter individual consistentemente mantém sua própria 'atitude social' peculiar. As três famílias são os meio-alemães Schlegels, cultos idealistas da classe ociosa; os totalmente ingleses Wilcoxes, cabeças-duras, homens de negócios, e também os ingleses Basts, infelizes sub-cães do sistema social atual. Leonard Bast, um ignominioso escriturário de seguros, é uma presa com anseios imprudentes por aventuras culturais e espirituais. A responsabilidade por sua ruína financeira e moral e a ruína de sua esposa degradada pertencem ao Sr. Wilcox. Mas o Sr. Wilcox, que exemplifica a praticidade hábil, o sofisma intelectual, e a mancha de sensualidade característica do tipo que ganha dinheiro, é igualmente sem consciência - em ambas as acusações, sendo constitucionalmente avesso a todas as noções brandas de "responsabilidade pessoal".

Helen Schlegel, que insiste nas relações pessoais como as únicas coisas de valor na vida, e sobre a responsabilidade pessoal como o único remédio para a injustiça social, empreende, com impressionante generosidade, a ajuda às vítimas do Sr. Wilcox, apenas para ser ela própria arrastada para uma ligação com o infeliz Leonard. Resta à sua irmã Margaret exibir um idealismo mais sábio, sensatamente moderado por uma apreciação de valores práticos. Sua especialidade é 'ver a vida com constância e vê-la em sua totalidade'. Como segunda esposa do Sr. Wilcox, sua tolerância e simpatia a capacitam a perdoar os excessos de seu marido e de sua irmã, reconciliá-los e, na medida do possível, recuperar seus erros. Depois a morte violenta de Leonard, a conseqüente prisão do filho do Sr. Wilcox e o nascimento do filho ilegítimo de Helen - circunstâncias que o Sr. Forster contempla a partir de dimensões místicas, entoando, "Deixe Squalor ser transformado em tragédia, cujos olhos são as estrelas e cujas mãos seguram o pôr do sol e o amanhecer'. Howards End, a casa que a primeira esposa do Sr. Wilcox amou e com intenções proféticas desejava deixar para Margaret Schlegel, é concedida a ela, nos termos da vontade de seu marido, como uma espécie de recompensa de mérito, e a história termina com alegria total da parte do autor. ‘Tudo é para o melhor’.

Entre sua multiplicidade de 'motivos', o leitor de Howards End irá distinguir as contrapartes sombreadas de certos temas que têm sido tratados com maior vigor e discriminação pelo Sr. Galsworthy em The Country House, The Man of Property, e The Fraternity, e pela Srta. Sinclair em The Divine Fire. O trabalho do Sr. Forster parece ser uma comédia convencional. Para isso, seu senso de valores de caráter é inteiramente adequado, ao passo que sua maneira alegre e a astúcia jornalística da expressão lhe são úteis. Mas ele não evidencia poder nem inclinação para enfrentar qualquer problema humano vital."

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