quinta-feira, 14 de junho de 2018

O 1º livro de Forster - Parte II

E. M. Forster, em Garsington Manor, 1922. Foto de Lady Ottoline Morrell (National Portrait Galery, Londres).




Recepção crítica

Publicado em 1905 pela editora William Blackwood & Sons, o primeiro romance de E. M. Forster recebeu avaliações mistas da crítica especializada. A primeira apareceu no The Times Literary Supplement, em 29 de setembro de 1905. Em uma avaliação de setenta e cinco palavras, o crítico achou "alguns dos incidentes tão originais ao ponto de serem quase ridículos", considerou o romance original, bem escrito e às vezes espirituoso, além de reconhecer um "tipo estranho de individualidade que vale a pena ser explorado". The Bookman, similarmente, achou o livro "incomum e convincente, com sua singularidade e sua persuasão realizadas de uma maneira inesperadamente fresca". "Fresco" e "convincente" foram dois adjetivos usados também pelo Glasgow Herald, enquanto "original" aparece em várias outras resenhas. 

O crítico do The Spectator esperava "que algo tão original e de talento tão penetrante poderia conceder uma história na qual a falibilidade da divindade e a insensibilidade da respeitabilidade são menos intransigentemente colocadas". Seu colega do Manchester Courier questionou se "o escritor não lança mão de suas criações um pouco selvagemente". Essas ressalvas devem ser a razão pela qual a Blackwood divulgou o livro de maneira um tanto perversa, como "uma história que intriga os críticos". O mais perspicaz de todos foi C. F. G. Masterman (Charles Frederick Gurney Masterman), o editor literário do Daily News, e um admirador consistente do trabalho de Forster. Sua avaliação do romance inicia assim:
"Where Angels Fear to Tread é um livro notável. Entre dez pessoas, nenhuma tem um crítico para receber um novo escritor e um novo romance transmitindo diretamente a impressão de poder e um fácil domínio do material. Aqui há qualidades de estilo e pensamento que despertam uma sensação de satisfação e deleite, gosto na seleção de palavras, uma visão aguçada do humor (e não apenas dos humores) da vida e um desafio aos seus caminhos aceitos."

E Masterman termina sua resenha:
"É contada com uma destreza, uma leveza, uma graça de toque e uma radiante atmosfera de humor, que marcam uma força e uma capacidade que são uma grande promessa para o futuro (The Critical, Heritage, p. 52, 55)."

"Não seria excessivo", escreve Virginia Woolf em 1927, "se descobríssemos, neste ligeiro primeiro romance, evidências de poderes que só precisavam, pode-se arriscar, de uma dieta mais generosa para amadurecer em riqueza e beleza". A romancista e contista Elizabeth Bowen diz: "Where Angels Fear to Tread... continha o embrião de todos os outros livros". Já o crítico literário F. R. Leavis vai ainda mais longe, observando que é "o mais bem sucedido dos romances pré-guerra e não há discrepância ou choque de tons nele", enquanto Frederick Crews, ensaísta americano e crítico literário, o chama de autocontido e um livro altamente polido.

O escritor, crítico e editor, Edward Garnett.
O crítico do The Spectator, citado mais acima, era Edward Garnett. Apesar do trecho destacado anteriormente não ser tão positivo, a avaliação foi favorável no geral. No livro The Cave and the Mountain: A Study of E. M. Forster, Wilfred Stone diz que E. M. Forster nunca esqueceu a crítica elogiosa de Garnett ao seu primeiro livro, retribuindo anos depois:
"A lealdade aos amigos é a primeira premissa da crítica de Forster - embora, felizmente, a amizade e a excelência literária sejam às vezes encontradas juntas. Ele nunca esqueceu a generosidade de Edward Garnett ao avaliar Where Angels Fear to Tread, e em troca ele fez o melhor que pôde para dizer algo de bom sobre o indistinto The Trial of Jeanne D'Arc and Other Plays, de Garnett. Como Garnett, Forster se esforçou para descobrir e encorajar o gênio de outros escritores."

Em artigo publicado no The News Chronicle de 30 de novembro de 1931, intitulado The Man Behind The Scenes, Forster fala rapidamente sobre as primeiras críticas a Where Angels Fear to Tread:
"Há muito, muito tempo, quando meu primeiro romance foi publicado, Mr. Garnett e o falecido C. F. G. Masterman foram os únicos críticos que tomaram conhecimento disso. Eu gosto de pensar que era sua habilidade natural. Eu sei que foi sua generosidade. Ele pegou um livro de um escritor desconhecido que, na sua opinião, era promissor, forçou uma revisão entusiasmada em uma revista, e assim me deu uma chance de alcançar o público."

crítico, contista, ensaísta e professor, Lionel Trilling, faz uma avaliação do primeiro livro de Forster em sua obra simplesmente intitulada E. M. Forster (1943). Confira trechos a seguir:

Primeira edição da obra de Lionel Trilling.

"O primeiro romance de Forster apareceu em 1905. O autor tinha 26 anos, uma época não notável para escrever um primeiro romance, a menos que o romance fosse um Forster, um trabalho inteiro e maduro dominado por uma inteligência nova e imponente.

[...] Esta natureza da inteligência no primeiro romance de Forster e em todos os seus romances gera dificuldades para se avaliar de forma crítica. Sintetizar qualquer ideia boa, desenvolvida, é traí-la; devemos ter não apenas suas conclusões, mas seu crescimento dialético e suas modificações. Os romances de Forster avançam de duas maneiras - por meio de parcelas complexas e detalhadas que produzem uma longa série de pequenos ou grandes choques, e por homens dos pronunciamentos do autor, pois as novelas são "sábias", elas nunca hesitam em formular e comentar. Isso requer que sejam considerados com algum detalhe.

Mas Where Angels Fear To Tread é uma obra de seu tempo em outras maneiras, mais do que em seu uso da inteligência dialética. É uma novela de aprendizagem e crescimento, como The Way Of All Flesh e The Ambassadors, e, como elas, uma novela de laços rompidos. É uma história de questionamento, desilusão e conversão. É uma crítica da grande classe média. É um romance de sexualidade.

Seu tema, como o de The Ambassadors, é o efeito de um país estrangeiro e uma cultura estranha sobre idéias insulares e personalidades provinciais. Desde o Renascimento, e especialmente no século XVIII, isso tem sido um dispositivo de moralistas para confrontar sua própria cultura com os hábitos superiores de terras estrangeiras. E no século XIX, a grande era da viagem, o século de Cook e seus turistas, tornou-se possível ver por si mesmo se eles realmente organizaram essas coisas melhor na França - ou na Itália, na Alemanha ou na Espanha.

A história de Where Angels Fear To Tread começa como uma comédia de costumes, avança com fúria e melodrama e acaba com um desespero elucidativo." 

Logo abaixo, a crítica completa do Manchester Guardian (hoje The Guardian), veiculada em agosto de 1905. O texto encontra-se disponível no site do jornal.

O cinismo de Forster

Where Angels Fear to Tread, por E. M. Forster avaliado no Guardian, 30 de agosto de 1905.

Where Angels Fear to Tread por E. M. Forster. William Blackwood & Sons, Edimburgo e Londres

Where Angels Fear to Tread não é de todo o tipo de livro que o título sugere. Não é enjoativo, sentimental ou banal. A motivação da história, a disputa pela posse de uma criança entre o pai que sobrevive e os familiares de uma morta, é familiar e bastante comum, mas a configuração e o tratamento dessa motivação são quase surpreendentemente originais.

E. M. Forster escreve em uma persistente veia de cinismo que é capaz de repelir, mas esse cinismo não está profundamente enraizado. É um protesto contra o culto às conveniências, e especialmente contra as conveniências de "refinamento" e "respeitabilidade"; Toma a forma de uma sórdida comédia, culminando, inesperadamente, e com uma verdadeira força dramática, em uma tragédia grotesca.

Há meia dúzia de personagens no livro que importam, e dois deles - a Sra. Herriton, a encarnação da insinceridade imaculada, e Harriet, obtusa, indiferente e totalmente desprovida de simpatia - são completamente repulsivas e, portanto, não totalmente reais. Os outros quatro, independente do que sejam - e todos são mais ou menos desagradáveis - são inegavelmente e convincentemente reais. É um truque da Fortuna em seu humor mais louco que traz a união de Lilia, a inglesa vulgar e superficial, e Gino, o italiano cortês, raso e desonroso.

Os resultados do artifício são ao mesmo tempo fantásticos e inevitáveis. O todo é um pedaço de comédia, assim como a comédia é compreendida por George Meredith. Nos perguntamos se E. M. Forster poderia ser um pouco mais caridoso sem perder em vigor e originalidade. Pode valer a pena tentar um experimento.

Adaptações para as telas

Where Angels Fear to Tread possui três adaptações para as telas da TV e cinema (clique nos anos destacados para obter mais informações):

1963 - A primeira foi exibida sete anos antes da morte do escritor. Trata-se de um filme para TV apresentado pela primeira vez em 29 de outubro de 1963, produzido e transmitido pela BBC. Não há vídeos ou imagens sobre esta adaptação disponíveis na internet;

1966 - Três anos depois, a obra recebeu mais uma adaptação para TV. Desta vez, um episódio da 1ª temporada da série BBC Play of the Month (1965–1983), que foi ao ar pela primeira vez em 15 de fevereiro de 1966. Também não há conteúdos audiovisuais na rede;

1991 - A mais recente adaptação do livro foi lançada nos cinemas no início da década de 90. Dirigido por Charles Sturridge, o longa traz no elenco nomes como Helena Bonham Carter, Rupert Graves e Judy Davis. Helen Mirren e Giovanni Guidelli (na imagem ao lado) interpretam a viúva inglesa Lilia Herriton e o italiano Gino Carella. O filme pode ser conferido em DVD e na internet.


Fontes de pesquisa: The Cave and the Mountain: A Study of E. M. Forster (1966), de Wilfred Stone;
The Man Behind The Scenes, de E. M. Forster, publicado no The News Chronicle (1931);
The Novels of E.M. Forster (1986), de Avtar Singh;
E. M. Forster (1943), de Lionel Trilling;

0 comentários:

Postar um comentário

Todos os visitantes do blog E. M. Forster Brasil são muito bem-vindos, assim como seus comentários acerca dos conteúdos aqui publicados. As opiniões expressas nos comentários são de total responsabilidade de seus autores.