Citado pela primeira vez no capítulo 01 de Maurice, George é apresentado como alguém que "trabalha no jardim", nas palavras do personagem-título durante a conversa à beira-mar com o senhor Ducie. Quando Maurice retorna à sua casa para as férias, após terminar os estudos na escola do senhor Abrahams, uma das primeiras coisas que pergunta à sua mãe é onde está George. A mãe não lhe dá atenção e comenta sobre outros assuntos, recitando nomes de vegetais enquanto caminha pela propriedade com o filho. Maurice não se dá por vencido e pergunta novamente. A senhora Hall responde que George foi embora na semana anterior.
"Por que George foi embora?", ele indagou.
"Estava ficando muito velho. Howell gosta de substituir os rapazes a cada dois anos"."
"Ah."
A reação de Maurice em seguida traduz-se em seu primeiro momento de angústia na obra.
Um soluço interrompeu-a.
"Morrie, querido."
O menininho estava chorando.
"Meu amor, o que é?"
"Não sei... não sei..."
"Por quê, Maurice?"
Ele balançou a cabeça. Ela entristeceu-se diante de sua incapacidade de fazê-lo feliz e também começou a chorar. As meninas precipitaram-se para os dois, exclamando:
"Mãe, o que há de errado com Maurice?"
"Oh, não", ele gemeu. "Kitty, vá embora..."
"Ele está cansado demais", disse a senhora Hall, explicação que ela costumava dar para tudo.
"Estou cansado demais."
Maurice não estava cansado. Após derrotar as irmãs num jogo de tabuleiro, ele vai conversar com o cocheiro Howell e sua esposa.
"Aquele não é o novo jardineiro?".
"Sim, patrãozinho Maurice."
"George estava velho demais?"
"Não, patrãozinho. Ele quis melhorar de vida."
"Oh, quer dizer que ele pediu demissão?"
"Isso mesmo."
"Mamãe disse que ele estava velho demais e o senhor o mandou embora."
"Não, patrãozinho."
Ao recolher-se em seu quarto, o antigo jardineiro ocupa os pensamentos do jovem Maurice.
"[...] lembrou-se de George. Algo se agitou nas profundezas inescrutáveis de seu coração. Ele murmurou "George, George". Quem era George? Ninguém - tão somente um reles empregado. Mamãe, Ada e Kitty eram muito mais importantes. Mas ele era pequeno demais para entender [...]"
Ele também sonha com George que, inclusive, surge nu em sua mente adormecida.
Teria sido George o primeiro amor de Maurice Christopher Hall? Ou pelo menos o primeiro objeto de um sentimento mais vigoroso e próximo ao amor? Maurice fica notoriamente consternado e melancólico com a notícia da partida do jardineiro, com quem costumava brincar próximo aos feixes de madeira da senhora Howell (ou da mãe de Maurice, como o próprio, esnobe, faz questão de retrucar). Claro que a reação de Maurice pode ter sido motivada "apenas" pela perda de um amigo, por quem nutria afeição e ternura, porém, também não é segredo que, em muitos casos, garotos homossexuais se apaixonam por outros mais velhos e passam a alimentar um amor platônico.
"Quando tudo é obscuro e informe, o melhor símile está no sonho. Maurice teve dois no colégio; eles o interpretarão. No primeiro, estava muito bravo. Jogava bola contra um indivíduo indefinido cuja existência o incomodava. Fez um esforço e o sujeito transformou-se em George, o jardineiro. Mas precisava tomar cuidado ou o outro ressurgiria. George corria nu pelo campo em sua direção, pulando os feixes de madeira. "Eu vou enlouquecer se ele voltar à sua forma antiga", disse Maurice, mas foi isso o que ocorreu assim que eles se uniram, e um desapontamento brutal o despertou. Ele não conectou essas imagens com a homilia do senhor Ducie, nem mesmo com o segundo sonho, mas imaginou que iria ficar doente, e depois que era uma punição por alguma coisa."
Teria sido George o primeiro amor de Maurice Christopher Hall? Ou pelo menos o primeiro objeto de um sentimento mais vigoroso e próximo ao amor? Maurice fica notoriamente consternado e melancólico com a notícia da partida do jardineiro, com quem costumava brincar próximo aos feixes de madeira da senhora Howell (ou da mãe de Maurice, como o próprio, esnobe, faz questão de retrucar). Claro que a reação de Maurice pode ter sido motivada "apenas" pela perda de um amigo, por quem nutria afeição e ternura, porém, também não é segredo que, em muitos casos, garotos homossexuais se apaixonam por outros mais velhos e passam a alimentar um amor platônico.
As justificativas divergentes da senhora Hall e do cocheiro Howell para a partida de George também permitem algumas conjecturas. Por que um acontecido tão simples provoca duas alegações diferentes? Será que a matriarca percebeu o nascimento de algum sentimento mais profundo de Maurice por George e decidiu afastá-lo do convívio do filho? Só faltou afinar o discurso com o cocheiro. Ou talvez o próprio Howell se antecipou e tomou a decisão no lugar da senhora Hall.
Quando Maurice desata a chorar na frente da mãe, ele não é mais uma criança. Maurice Hall tem catorze anos à essa altura do livro, ou melhor, catorze anos e nove meses como ele responde ao ser questionado pelo senhor Ducie. Maurice já estava, há muito, em idade para conhecer o amor por outro homem. Talvez não tenha se apercebido disso, mas pela minha interpretação pessoal, George foi o primeiro a despertar tal sentimento no coração do jovem protagonista, que mais tarde viria a se apaixonar perdidamente por Clive Durham.
Este post tem mais perguntas que respostas, mas os dedos aparentemente atam-se ao teclado quando há a chance de divagar sobre as entrelinhas de um livro, principalmente Maurice.
Todos os trechos de "Maurice" citados no post foram extraídos dos capítulos 02 e 03 da tradução de Marcelo Pen, lançada pela editora Globo, 2006. A imagem é uma fotografia do Barão Adolph de Meyer, intitulada Teddie e datada de 1912.
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